Música _ 16 março _ por Juarez Fonseca

Fenômeno do jazz brasileiro

Depois de três álbuns, o pernambucano Amaro Freitas não deixa dúvidas de que é a maior revelação do jazz brasileiro em décadas

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Amaro Freitas já começou por cima. Bastou um disco, o primeiro, Sangue Negro, lançado em 2016, para que chamasse a atenção do mundo do jazz e desse início à conquista de espaços internacionais. Dois anos depois veio o segundo, Rasif, e a surpresa com aquele jovem pianista brasileiro redobrou, deixando boquiabertos os críticos da revista DownBeat, considerada “a bíblia do jazz”. Com o lançamento do terceiro, Sankofa, em 2021, Amaro convenceu até quem ainda guardava alguma dúvida sobre estarmos diante de um fenômeno. É a maior revelação do jazz brasileiro em décadas. Na verdade, embora tendo feito o primeiro disco aos 25 anos, dizer que ele “começou por cima” não deixa de ser uma impropriedade. Nascido na periferia do Recife, batalhou muito para chegar onde está. As 12 anos, soube que a igreja evangélica do bairro estava promovendo aulas de música e se inscreveu para tocar bateria. Mas as vagas para o instrumento estavam esgotadas; sobrava uma vaga nas aulas de piano. E ele aceitou, embora soubesse que jamais teria um piano em casa. Gostou, se esforçou, chamou a atenção do professor. Queria se aperfeiçoar. O pai não tinha como pagar estudos em um conservatório. Amaro seguiu tocando onde desse, onde houvesse um piano. Aos 14 anos, ganhou de um amigo o DVD Alive, de Chick Corea, e “pirou” com aquele pianista e aquela música. Saiu atrás de tudo quanto fosse disco de jazz. Com a fama de seu talento se expandindo, passou a ser requisitado para tocar em bares, conjuntos de baile, festas. E quanto mais se destacava, mais tinha que encarar situações de racismo. Ele fala sobre isso especialmente no álbum Sankofa, sendo já um nome internacional do jazz, com turnês europeias. Amaro diz que, em Sankofa, trabalhou “para tentar entender meus ancestrais, meu lugar, minha história como homem negro”. Um símbolo da África Ocidental, sankofa representa um pássaro com a cabeça voltada para trás, mas tendo em vista o futuro. “Quero dizer às novas gerações: vamos parar de nadar na superfície, vamos mergulhar.” Já em Sangue Negro, a maturidade musical de Amaro impressionava. Encontram-se no disco ares de Thelonious Monk, Herbie Hancok, Brad Mehldau, o brasileiro João Donato, sem que estes mestres interfiram diretamente em seu estilo. A essência brasileira da música de Amaro parece mais delineada em Rasif, onde ele se entrega com mais naturalidade à influência de seu ídolo Capiba, também pianista e ícone do frevo. Em Rasif, gravado pelo selo londrino Far Out Recordings e lançado em turnê pelo Brasil e Europa, ritmos como frevo, maracatu, baião, coco servem de plataforma para os voos jazzísticos. Também lançado pelo Far Out, em parceria com a Natura Musical, Sankofa completa o que talvez se possa designar como a trilogia de um músico extraordinário que está apenas começando... Ah, sim: Amaro Freitas segue vivendo na capital pernambucana e é cada vez mais requisitado para tocar com outros grandes, como Milton Nascimento.