Artes _ 06 abril _ por Simone Raitzik

Beatriz Milhazes: um caldeirão de cores e texturas

Uma das mais valorizadas artistas plásticas contemporâneas brasileiras, Beatriz Milhazes conquista o mundo com seus painéis, pinturas, gravuras e esculturas com sotaque tropical.

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Beatriz Milhazes tem 64 anos, mas a aparência jovem engana. Atribui a carinha de menina, que pouco muda com o passar do tempo, a seu estilo de vida – simples e caseiro. Disciplinada, se alimenta saudavelmente, se exercita com frequência em longas caminhadas pela praia do Leblon - bairro onde mora -, e desfruta, sem cerimônia, da bela natureza da cidade em que vive e tanto preza. Nasceu no Rio, cresceu em Copacabana, ouvindo chorinho e Cartola na vitrola e acompanhando, encantada, a irreverência do carnaval de rua e a engenhosidade criativa dos desfiles de escolas de samba. Todo esse arsenal de imagens exuberantes e sons ritmados acabou explodindo em cores e curvas em suas telas, colagens, serigrafias e projetos que vêm conquistando colecionadores há mais de 40 anos, quando ela saiu da Escola de Artes Visuais do Parque Lage, onde se formou como artista plástica, e ganhou o mundo. “Minha obra é resultado de um caldeirão de influências e do que vi e ouvi, desde pequena. Está tudo ali, junto e misturado”, resume Beatriz Milhazes, acrescentando boas pitadas do modernismo brasileiro, no traço de Tarsila do Amaral, e ainda dos impressionistas Henri Matisse e Piet Mondrian. A partir do final de abril, essa sua mistura de cores e texturas vai estar impressa nas obras de grande formato que vão ocupar o pavilhão de Artes Aplicadas da Arsenale, em Veneza, colaboração entre o V&A, Victoria and Albert Museum, e a Bienal, que esse ano terá a curadoria do brasileiro Adriano Pedrosa, diretor artístico do Masp (Museu de arte de São Paulo). “Retorno ao evento após 21 anos. Em 2003, eu ocupei o Pavilhão Brasileiro, no Giardini, e a curadoria foi do Alfons Hug”, lembra.Outra mostra já programada ainda em 2024 é a “Maresias”, uma retrospectiva organizada pela Turner Contemporary (de Margate), que agora viaja para a Tate St.Ives, em Cornwall, Reino Unido. “São pelo menos duas exposições internacionais por ano”, diz ela. A agenda de Beatriz e sua carreira, construída com solidez e muito planejamento, impressiona. São muitos projetos paralelos, exposições em diferentes continentes, livros (ela tem um volume inteiro da Taschen dedicado a ela, da série que homenageia grandes pintores contemporâneos, e inclui nomes como Ai WeiWei, Jeff Koons e David Hockney). Indagada a que atribui tanta empatia e impacto de sua obra na cena internacional, ela prefere não enumerar motivos, mas admite que é dona de um traço alegre, belo e essencialmente ligado às raízes brasileiras. “Meu trabalho permite muitas leituras. Da pessoa mais simples até à crítica de arte do New York Times, cada um enxerga algo diferente, com interpretação e encanto próprios. E isso me aproxima de todo tipo de público, o que é extremamente rico e gratificante”, conta ela, que, muitas vezes, é reconhecida e parada na rua para dar autógrafo. “Fujo do rótulo de celebridade, de cultuar a fama. Meu negócio é ter um dia a dia prazeroso e fazer o que eu gosto. Da forma mais profissional e eficiente possível”. Beatriz foi a primeira a descobrir e se instalar na região do Horto, zona sul do Rio de Janeiro, ainda nos anos 80, quando iniciou sua carreira, depois de se formar pela Escola de Artes Visuais do Parque Lage e participar da lendária exposição “Como vai você, geração 80?”, que completa exatos 40 anos e, na época, representou um grande grito de liberdade criativa. “Tive professores marcantes como Luiz Áquila, Celeida Toste e, em especial, Charles Watson, peça fundamental na minha trajetória. A troca ali foi extremamente rica, um privilégio”, revela. Meu primeiro contato com grandes mestres da pintura foi através de livros. Minha mãe, vendo meu interesse, teve a ideia de me inscrever no curso de pintura da Escola de Artes Visuais do Parque Lage. Logo depois, trabalhei ali como professora durante 10 anos. Foi assim que essa história toda começou”, conta. Apesar da intensa agenda internacional, com viagens frequentes pelo mundo, Beatriz assume que não tem vontade de montar um atelier fora do Rio ou se fixar em outro país. Em uma entrevista que deu há alguns anos, ela deu a seguinte definição sobre si própria: “Sinto-me como um Gauguin às avessas. Ele saiu da Europa para os trópicos, no caso o Tahiti, para acrescentar importantes atmosferas e cores às suas pinturas. Eu vim dos trópicos para a Europa, para dar mais significado, estrutura e interesse às minhas pinturas”. Seja qual tenha sido o percurso, não restam dúvidas: a pequena notável das artes plásticas chegou exatamente no lugar que queria.