Bia Lessa: “O mundo andou e a gente, não"
Da ópera à minissérie, a encenadora e artista multimídia revela onde encontra as mídias mais adequadas para suas experiências
Bia Lessa é uma artista que joga em todos os gêneros que lhe caem nas mãos, e assim nunca deixar de expandir os limites. A paulistana que começou no teatro carioca aos 14 anos está às vésperas de completar 50 de carreira. Bia concedeu entrevista exclusiva ao cineasta Emilio Domingos, da FLO. No depoimento, vem à cena a menina prodígio, aluna do grupo Tablado, a diretora de teatro que aboliu a cenografia para povoar o palco de coisas vindas diretamente do mundo, a diretora de ópera que instalava rampas para os cantores subir e descer em seu trabalho incessante, a artista plástica multimídia, a autora madura de uma minissérie apocalíptica, “Cartas ao mundo” (canal Curta!), inspirada no diretor de cinema Glauber Rocha. Bia abre os bastidores de suas maquinações estéticas. No início da vida, descobriu que a vocação era nada acadêmica: “Escola para mim era um drama uma coisa insuportável que eu não dava conta. Abandonei, fiz até o ginásio e vi uma peça de teatro: quando vi a peça, eu falei é isso que eu quero fazer”. O aprendizado no teatro a levou a abolir justamente a cena convencional. Foi neste ponto que ela revolucionou o gênero no Brasil, ao substituir cenário e figurino por objetos que invadiam o palco. No lugar da cenografia, introduziu aquilo que ela chama “geografia”: “Nunca gostei de cenário, eu sempre gostei no teatro de uma coisa que eu chamo de geografia, uma geografia cênica, uma coreografia, não era um décor, a mesinha, a cadeirinha”, comenta. “Era o espaço que modificava a interpretação dos atores, um chão irregular, uma rampa que é difícil de subir, um teto muito baixo. Então para a exposição foi um caminho natural, e para a ópera a mesma coisa.” Seu impulso foi descobrir como funcionava a vida do ser humano. O teatro se tornou, por isso, insuficiente para a busca. O teatro não deixava de ser para ela o resultado de abordagens indiretas, tanto da parte dos autores e dramaturgos como dos atores. Passou então a fazer cinema, tanto documental como ficcional. Bia se deu conta de que sua trajetória ultrapassava os domínios habituais das artes, e tornou a sua maturidade um campo de aventuras. “Sinto no fundo que tudo é mais ou menos a mesma coisa” diz. “Com cada conteúdo que você vai trabalhar no sentido do que eu quero dizer agora, você busca o caminho – é melhor falar dos objetos, é melhor através do documentário.” Ela jura que deixou se levar pelas circunstâncias da vida, e nem mesmo o teatro foi resultado de uma decisão pessoal. “Neste tempo agora, a gente não é uma coisa só. Somos ao mesmo tempo jovens, velhos, bonitos, somos variados. Todo mundo faz muita coisa. Não dá para falar com um homem de seu tempo sem entender que as coisas são móveis, que estamos em movimento. A ideia de coerência não é pensar numa mesma coisa ao longo da vida como era no tempo do meu pai. A ideia de ter coerência hoje é captar a transformação das coisas. E como você entende isso fazendo uma coisa só? Eu nunca escolhi virar diretora, são coisas que a vida vai apresentando e daí quando você vê, o próprio acaso fez o seu caminho.” Adentrando uma nova fase cujos detalhes não revela, conta apenas que está estudando os avanços tecnológicos e científicos que alteram a forma como o ser humano está se metamorfoseando, alterando a situação dos gêneros. “O mundo andou e a gente, não”, diz. “É um mundo tão outro, um momento de reviravolta que revela um desejo de mudança profunda.” É a constatação de um espírito ansioso que não se submete a um determinado gênero artístico, e sim se utiliza dos recursos de linguagens artísticas que tem à disposição.