Literatura _ 16 março _ por Luís Antônio Giron

Carpinejar, uma aguda sensibilidade

O poeta Fabricio Carpinejar reúne as qualidades de escritor refinado e filósofo popular, como Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade

Capa da publicação em destaque

O poeta gaúcho Fabrício Carpinejar é, aos 48 anos, um dos escritores mais populares e premiados do Brasil. Publicou 46 livros em 23 anos de carreira e ganhou dois prêmios Jabuti, um dos mais importantes do país. Foi premiado como poeta, mas tem vendido livros como escritor de autoajuda. O que não é nenhum demérito. Pelo contrário, trata-se de uma vantagem competitiva. Carpinejar desenvolveu uma sensibilidade aguda para com as relações humanas. Isso lhe permite seguir duas carreiras literárias paralelas: as de poeta laureado e de conselheiro sentimental do Brasil. Sim, ele se popularizou ao dar consultas no programa Encontro com Fátima Bernardes, da TV Globo, e assina uma crônica semanal no jornal O Tempo, de Belo Horizonte, onde mora com a esposa, a advogada mineira Beatriz Reys. Os mais recentes lançamentos de Carpinejar dão a medida do material com que trabalha. Um deles, sem título, foi lançado de uma forma quase anônima. São 60 poemas aforísticos, breves, em que o escritor se ocupa da carpintaria verbal, uma de suas especialidades. Lançado pela editora Bertrand, o livro “desintitulado”, como diz, com uma capa preta onde nada consta, vendeu dois mil exemplares em apenas dois meses – o que, em termos de poesia culta, é um recorde, talvez puxado pela fama de cronista. “Nos livros a gente traz tantas apresentações e textos explicativos que os autores parecem zeladores de jazigo.” O segundo, "Coragem de viver" (editora Planeta), saiu em 2021 e é uma homenagem à mãe, a escritora Maria Carpi. “Moramos longe um do outro – eu em BH ela em Porto Alegre – e a pandemia nos afastou por um tempo. Por isso, escrevi um livro para que ela saiba o quanto a amo”, diz. Assim, "Coragem de viver" segue a trilha dos laços de família que ele gosta de percorrer. Fabrício Carpi Nejar nasceu em Caxias do Sul em 1972, filho do poeta Carlos Nejar e da professora (e mais tarde escritora) Maria Carpi. Para ressaltar a união que o liga aos pais, juntou os sobrenomes para Carpinejar. Eram quatro irmãos; Fabrício, o terceiro. Sua estreia literária aconteceu com a notável coletânea de poemas "As solas do sol", em 1998. Desde então, sua ascensão foi irresistível até chegar ao panteão dos poetas cronistas. Ele reúne as qualidades de escritor refinado e filósofo popular, como (guardadas as devidas proporções) Mario Quintana e Carlos Drummond de Andrade. Por isso mesmo, acumula prêmios e invejas. A família atravessa o seu nome e sua vida. Teve dois filhos do primeiro casamento: Vicente, hoje com 19 anos, cursando Relações Internacionais, e Mariana, de 27 anos, concluindo Letras, ambos na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Em 2018, excursionou como dramaturgo, diretor e ator na peça “De pai para filho”, ao lado de Carlos Nejar. “É uma parceria literária e obviamente pessoal”, diz. “Meu pai e eu temos uma enorme identificação e aproveitamos a peça para conversar muito. Uma grande experiência.” Não por acaso, lanço no mesmo ano o livro "Cuide dos pais antes que seja tarde" (2018) e, no ano seguinte, “Família é tudo”. Em meio à pandemia, em 2020, lançou Colo, por favor! como uma forma de refletir sobre o isolamento que tem vivido desde então. Em "Coragem de viver", Carpinejar faz revelações. O livro, segundo ele, é um testamento em vida de um filho para a mãe. A ideia soa negativa, mas, quem o conhece, sabe que se trata de um relato singelo e comovente. Entre tantas passagens, ele conta como Maria Carpi, separada, se esforçou para criar quatro filhos e enfrentou problemas econômicos, envolvendo os filhos nas tarefas domésticas. “Quando eu ficava triste, minha mãe me convidava para ir à cozinha”, conta. “Eu ficava escolhendo feijão e ficava triste com os grãos quebrados que ficavam de fora da panela. A mãe dizia que a gente iria plantar esses grãos excluídos, que eles gerariam outras plantas. Eu me sentia como o feijão excluído.” Fabrício tinha problemas de cognição, mas só ficou sabendo depois por que era perseguido na escola por ser “diferente”: Maria escondeu os exames médicos que mostravam o problema e tratou de incentivar o menino a estudar e ler mais. Logo se destacou pelo português e gosto pela literatura. Um dos segredos é que Maria gostava de ensinar o menino a partir de fábulas e parábolas: “Ela sempre deu lições à maneira de Confúcio”. Seu misterioso best-seller sem título, que ele lançou apenas pelo Instagram, traz alguns poemas que podem soar funéreos, como este, brevíssimo: “Eu espero que a minha morte coincida com a minha vida”. O que ele quer passar para o leitor diz muito sobre como o especialista em vida pensa no assunto: “Eu não quero morrer para os outros antes da minha morte real”. Ou seja, Carpinejar não quer que sua alma se vá antes do corpo. Até agora, logrou sucesso.