Música _ 14 junho _ por Simone Raitzik

Charles Gavin: "a música brasileira é instigante"

Estudioso de música, apaixonado por vinil (e dono de uma super coleção de discos, que lota cada canto da sua sala de estar), Charles partiu para um projeto que há muito vinha acalentando e que rendeu encontros memoráveis: “O Som do Vinil”,

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Durante 16 temporadas, Charles Gavin, o “eterno” baterista dos Titãs, apresentou “O som do vinil”, no Canal Brasil, dissecando os bastidores de LPs lendários da música brasileira e internacional. Paulista de Vila Mariana, Charles Gavin era um garoto que amava os Beatles e sonhava ser jogador de futebol. Treinava na rua, em pleno asfalto, e chegou a fazer teste para o São Paulo, aos 14 anos. Foi chamado para entrar na equipe, mas seu pai, corinthiano convicto, brecou a ideia. “Nos anos 70, aos 10 anos, vi o Brasil ser tricampeão do mundo. Fui tomado pelo desejo de ser jogador. Mas não tive o apoio da família. O campo do São Paulo era no Morumbi e o deslocamento, diário, seria impossível”, lembra. Em seguida, Charles decidiu apostar na veia musical: começou a estudar bateria e participar de bandas que se formavam, entre amigos. “Verdade que nunca tive incentivo em casa para essas aptidões. Minha família só queria saber dos estudos formais”, revela. Acabou indo estudar Administração na PUC e trabalhar com tecnologia. Logo, a vocação artística falou mais alto e foi chamado para tocar profissionalmente em bandas de rock, como Ira! e RPM. “Entendi bem cedo que o caminho era um só: me virar para conseguir chegar aonde queria. E eu queria ser músico”. Foi no final de 84, com 24 anos, que Charles recebeu o convite que consagrou sua carreira: Branco Mello e Sérgio Britto, dois dos Titãs - banda que já se firmava, na época, como uma das mais importantes do pop rock nacional -, em uma ligação telefônica, foram direto ao assunto: “estamos procurando um som mais pesado para a bateria. Topa?”. Sem pensar duas vezes, Charles passou a ser o oitavo integrante do grupo, ao lado ainda de Tony Bellotto, Arnaldo Antunes, Marcelo Fromer, Nando Reis e Paulo MIklos. Aos poucos, a formação foi encolhendo, Marcelo faleceu em um acidente (2001), Arnaldo e Nando saíram (1992 e 2002, respectivamente), mas Charles ocupou o assento da bateria até 2010, quando resolveu deixar a banda por total exaustão com a intensa rotina de ensaios e shows. “Estava no limite. Nunca passava um fim de semana em casa, minhas filhas praticamente não me reconheciam mais. Sair dos Titãs foi uma decisão dura e difícil. Mas estava literalmente pirando. Não tinha vida própria e resolvi que era hora de apostar em outros projetos”, conta. Estudioso de música, apaixonado por vinil (e dono de uma super coleção de discos, que lota cada canto da sua sala de estar), Charles partiu para um projeto que há muito vinha acalentando e que rendeu encontros memoráveis: “O Som do vinil”, programa que ficou por 16 anos em cartaz no Canal Brasil, sendo descontinuado (ou pausado, quem sabe?) no ano passado. “Por enquanto, não produziremos uma nova temporada. Uma pena, porque tive ali a oportunidade de conversar com nomes incríveis; de Gil à Pat Metheny, passando pela fadista portuguesa Carminho e o guitarrista Stanley Jordan, entre muitos outros. Um prazer e uma honra”, lembra. A proposta de cada episódio era debater os bastidores de um determinado disco, revelando detalhes da produção. “Foi uma história que deu certo demais, porque a música brasileira é instigante, um manancial inesgotável e uma forma de entender a trajetória do país”. Com Gilberto Gil, Charles conversou em duas oportunidades, na primeira para falar sobre a trilogia Re, dos anos 70 (Realce, Refazenda, Refavela). Depois, sobre João Gilberto. “Esses encontros renderam momentos memoráveis. Adoro entrevistar e acho que, de certa forma, dominei a técnica. Adoraria fazer programas de rádio, que funcionariam muito bem no formato do" O som do vinil”, aposta. Daqui para frente, as possibilidades estão em aberto. Atualmente, ele participa como comentarista esportivo no "Redação SporTV", ao lado de André Rizek e Marcelo Barreto, e acaba de encerrar uma turnê mega bem-sucedida dos “Titãs Encontro”. “O desejo de se reunir já existia. Com a pandemia, acabamos dando uma pausa e, no princípio de 2022, voltamos a nos falar. Já havia uma produtora interessada, a paulista 30E, com a ideia de celebrar a formação clássica da banda, tocando o repertório de quando éramos oito integrantes nos anos 90. Nos encontramos no estúdio do Bob Wolfenson para fazer as fotos de divulgação e, de cara, percebemos que a nossa química ainda existia, apesar da idade. Já somos todos sessentões, mas ainda há uma vibração de quando tudo começou. Resgatamos uma entidade que apelidamos de Liga, uma espécie de energia coletiva, muito potente, que só acontece quando estamos juntos”. O início da turnê foi marcado para abril de 2023, com estreia no Rio, e programação inicial de 10 apresentações. “No final, fizemos 49 shows, incluindo Lisboa e Nova York, no Radio City, com encerramento recente no Lollapalooza. A resposta da platéia foi surpreendente e energizante. Tudo que a gente deu, recebeu de volta.” Para Charles, assim como para vários dos integrantes, foi emocionante apresentar, às filhas, o que significou o fenômeno e a energia dos Titãs em um show ao vivo. “Elas eram crianças nos anos 2000 e só me viram tocando em vídeos. Dessa vez, acompanharam a turnê e sentiram a vibe da tribo que formamos”. Quanto aos rumos atuais da MPB, Charles vê um universo que facilita lançamentos caseiros, sem o aparato das gravadoras. “O processo está mais democratizado, o que é ótimo. Só é importante saber filtrar as suas escolhas, porque tem de tudo”, pontua. Entre as novidades, aponta o coletivo Bala Desejo, que mistura músicos de ambos os sexos e traz um som que lembra os Doces Bárbaros, banda dos anos 70, formada por Gal, Bethânia, Gil e Caetano. “Outra aposta é Chico Chico, filho da Cássia Eller, que herdou a força musical da mãe e está despontando com um trabalho bem consistente”. Charles tem também uma banda: a Sete Cabeças, com sete integrantes, e alguns shows no currículo. “Quando acabou a pandemia, fiquei com vontade de homenagear os 25 anos da gravação do acústico do Titãs. A ideia foi evoluindo junto com o produtor do Manouche, que é a nossa casa parceira, no Rio. O Sete Cabeças toca um pouco de Titãs e um pouco de Rita Lee, mas estamos pensando em incluir Cássia Eller, sempre no formato acústico. Com a turnê dos Titãs, demos uma pausa. Mas nossa volta aos palcos vai acontecer em breve”, garante. - Produção, captação de imagens do vídeo: Felipe David Rodrigues. Imagens adicionais: MultiShow, Novitá Music, Canal Brasil, 30e. Editor responsável: Renato Henrichs.