Artes _ 13 fevereiro _ por Mauro Ferreira

Diogo Vilela justifica a vida no teatro: “Questão existencial”

Ator celebra o sucesso da montagem teatral de “O bem amado”, planeja encenar textos estrangeiros e declara que ficará no palco até o fim dos dias.

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“Não consigo deixar de fazer teatro. É uma questão existencial. Eu trabalho no teatro porque eu preciso dele”, enfatiza Diogo Vilela em entrevista a Flo. Proferida em plena era das produções audiovisuais, fomentada pela expansão das plataformas de streaming, a frase pode soar anacrônica na boca de um ator que vive e trabalha em 2025. Mas faz sentido quando proferida por esse ator carioca de 67 anos que vive em universo particular à moda antiga onde o palco é o altar sagrado. Neste início de ano, Diogo Vilela professou no palco do Teatro João Caetano a fé que o move em cena e na vida. Na pele do demagogo político Odorico Paraguaçu, um dos personagens emblemáticos da dramaturgia do escritor e novelista Dias Gomes (1922 – 1999), o ator lotou, em cada sessão da peça “O bem amado”, todos os 1.139 lugares deste histórico teatro do Rio de Janeiro (RJ), cidade onde Diogo veio ao mundo em 28 de outubro de 1957 com o nome de José Carlos Monteiro de Barros. “Tem algo mais contemporâneo do que o Odorico?”, pergunta Diogo, já sabendo a resposta pela identificação do personagem com nomes da política brasileira em evidência nos últimos anos. Curiosamente, ao encenar com a Cia. de Teatro da Funarj (patrocinadora do espetáculo), o texto escrito por Dias Gomes em 1962, Diogo amarra as pontas de uma história bem-sucedida. É que o ator entrou em cena aos 12 anos incompletos, em 1969, para interpretar o menino órfão Nico na novela “A ponte dos suspiros”, escrita por Dias para a TV Globo sob o pseudônimo de Stela Calderón. A estreia precoce na televisão sugeriu longa carreira no audiovisual, mas a trajetória de Diogo Vilela logo teve a rota desviada para os palcos, embora o Brasil o conheça também pela atuação em programas de humor como o revolucionário “TV Pirata” (1988 – 1992) e a sitcom “Toma lá, dá cá” (2007 – 2009), além da interpretação do gay Ualber na novela “Suave veneno” (1999). Sucessos pontuais de um ator que cresceu e apareceu para valer no teatro. “Na TV, nunca me deixaram ser o grande ator que eu sou no teatro. A TV mostrou muito meu trabalho na comédia e o público se identificou comigo. Mas sempre tive medo da indústria. O teatro favorece a minha sensibilidade de ator, a minha técnica, a minha maturidade. O teatro não tem physique du rôle. Todas as outras mídias têm relação com a idade. O mundo sempre foi dos jovens. Sempre existiu etarismo. Mas o teatro me fez não sofrer com isso”, sentencia Diogo, sem mágoas ou frustrações com o giro do mundo. A ausência de ressentimento do ator com o status quo do meio artístico é fruto da própria natureza de Diogo. Quando era jovem, Diogo Vilela já se apegava aos atores vistos como antigos. Casos do ator e diretor Ziembinski (1908 – 1978) e da atriz francesa Henriette Morineau (1908 – 1990), com que Diogo protagonizou em 1981 bem-sucedida montagem da peça norte-americana “Ensina-me a viver”. “Sempre me identifiquei com a solidão dos atores antigos. Eles me ajudaram a desenvolver a minha técnica”, lembra o ator. Sim, foi com esses grandes atores “da antiga” que Diogo burilou o talento que exercita até hoje, seja estudando (e ensinando) a linguagem da intepretação em curso proposto para a Funarj, seja fazendo aulas de canto há 26 anos com o mesmo professor, o já nonagenário Victor Prochet. “Defendo a ideia de que, no teatro, o ator precisa compreender mais, discutir o que está sendo dito. Hoje em dia o mundo ficou muito naturalista. O mundo é imagético. Para um ator lidar com a imaginação em cena, é preciso ter articulação para você parar para pensar, para discutir, para ter alcance técnico”, argumenta Diogo, com a autoridade de quem tem na estante três Prêmios Shell de melhor ator, conquistados em 1996, 1998 e 2007 pelas atuações nas peças “Metralha”, “Diário de um louco” e “Cauby! Cauby!”. Em “Metralha”, Diogo Vilela arrebatou público e crítica ao dar vida e voz ao cantor Nelson Gonçalves (1919 – 1998), lenda da era do rádio que marcou época na música brasileira nos anos 1940 e 1950. Na mesma seara dos musicais, o ator fez ainda mais sucesso quando, dez anos depois, encarnou nos palcos o cantor Cauby Peixoto (1931 – 2016), outro ídolo da era do rádio, no espetáculo “Cauby! Cauby!”, estreado em 2006 e revivido nos últimos anos por Diogo em versão mais reduzida que o ator quer remontar em breve. Enquanto planeja voltar à cena como Cauby Peixoto, Diogo Vilela alimenta o sonho de voltar a encenar textos estrangeiros após duas incursões pela dramaturgia brasileira, já que, antes de “O bem amado”, Diogo protagonizou “O pagador de promessas”, obra-prima da dramaturgia do mesmo Dias Gomes, na pele do simplório Zé do Burro. O ator projeta encenações de textos de dramaturgos como o norueguês Henrik Ibsen (1828 – 1906) – de quem cogita montar “Hedda Glaber” (1890) – e o russo Nikolai Gogol (1809 – 1852), autor de “O inspetor geral” (1836). Ideias de quem sabe que viverá para sempre no palco, honrando a própria história e o legado de amigos como Ney Latorraca (1944 – 2024), padrinho artístico de Diogo, “um dos atores mais afetuosos que conheci, a síntese do teatro brasileiro”, recentemente falecido em perda ainda não digerida pelo colega com quem estreitou laços quando atuaram juntos no programa “TV Pirata”. “A morte do Ney foi muito sofrida para mim”. Como típico ator de teatro, Diogo Vilela sentencia que a vida é trágica. Mas encara a tragédia com um jeito reservado de ser e o amor eterno pelo teatro, razão da existência do ator. “Eu vou até os 90 anos no palco. Podem me esperar. O teatro deixa a gente forte. Não estou na grande mídia, mas tenho uma carreira maravilhosa e uma posição sólida no teatro, construída com muito sacrifício. Sempre tive resiliência. Minha vida sempre foi de muito trabalho, nunca glamour. Tenho pena quando vejo glamour. Eu sou um soldado, um operário da minha arte. Amo minha profissão. Se eu não fosse ator, acho que seria uma pessoa muito infeliz”, reflete Diogo Vilela, ator bem amado pelas plateias do teatro brasileiro.