Dos à Deux: Precisão dos gestos em diálogo com os recursos visuais
Em sua trajetória de sucessos, o duo André Curti e Artur Luanda Ribeiro, da Cia. Dos à Deux, produz espetáculos teatrais sofisticados - muitos com uso de marionetes e bonecos - em que signos verbais são supérfluos à narrativa.

Criada há cerca de 30 anos na França, por André Curti e Artur Luanda Ribeiro, a Cia. Dos à Deux, hoje sediada no Rio de Janeiro, atua combinando teatro gestual, dramaturgia visual e paisagem sonora. Em sua trajetória de sucessos, o duo produz espetáculos sofisticados - muitos com uso de marionetes e bonecos - em que signos verbais são supérfluos à narrativa. Multipremiados, já se apresentaram, com diferentes montagens, em mais de 50 países. Atualmente estão em cartaz, pelo Brasil, com “Enquanto eu voava, você criava raízes”. - Dois atores-bailarinos, duas cadeiras e um espetáculo sem nenhuma palavra. Foi assim que a companhia teatral Dos a Deux começou, em Paris, há quase 30 anos. Na época, o brasileiro André Curti e o angolano Artur Luanda Ribeiro se conheceram em um workshop na capital francesa e, um ano depois, decidiram unir forças para montar um trabalho juntos. Ambos tinham a fisicalidade e a dança em comum no processo criativo e resolveram adaptar a montagem de “Esperando Godot”, peça de Samuel Beckett, apenas com gestos. “Era um verdadeiro desafio, já que essa obra é totalmente baseada em diálogos. Primeiro fizemos uma versão de 15 minutos, depois crescemos para 55 minutos e essa, maior, apresentamos no Festival de Avignon, no sul da França. Foi um enorme sucesso e, a partir daí, formalizamos a Dos a Deux como uma companhia de teatro gestual”, conta André. “Éramos jovens atores na busca de um teatro que fosse híbrido e representasse a nossa trajetória. Eu tinha um percurso de bailarino e ator, e o André havia trabalhado mais com texto em cena”, acrescenta Artur. “Esperando Godot” foi o alicerce do que veio a seguir: uma linguagem universal, poética, extremamente rigorosa e tecnicamente impecável. Os espetáculos do Dos a Deux podem ser transportados facilmente para diferentes contextos e cada público interpreta e interage de diferentes formas. “Nosso processo de criação é longo, em média cerca de um ano ou mais”, diz André. Em geral, o roteiro parte de uma palavra, um conceito, algo que os inquieta no momento. “Como, por exemplo, diferença, migração, loucura, memória, exclusão, medo… esse tema ‘flecha’ é o que desperta cada montagem”, conta Artur. Uma trilogia que marcou a trajetória do duo foi composta pelos espetáculos “Saudade em Terras d'Água”, “Fragmentos do Desejo “e “Irmãos de Sangue”, que versavam sobre as relações familiares. “A partir desses trabalhos, começamos a utilizar bonecos. Mais tarde, em Gritos, amadurecemos a manipulação de marionetes, que acabou virando uma marca registrada do Dos a Deux em várias encenações”, reflete André. Com uma estrutura enxuta, a companhia se apresenta pelo mundo com mobilidade. “Aprendemos na raça como era viajar em ótimas ou precárias condições. Hoje já contabilizamos turnês por mais de 50 países e participamos de muitos festivais”, revela Artur. Atualmente, a Dos a Deux está em cartaz pelo Brasil com o espetáculo “Enquanto eu voava, você criava raízes”, com previsão de se apresentar, em breve, no Equador, México, Canadá e Japão. “A questão dessa montagem é o cenário, bastante pesado. Nesse caso, excepcionalmente, precisamos de uma boa logística para viabilizar os deslocamentos”, diz ele, apontando que começaram a elaboração em plena pandemia, ensaiando no sobrado centenário que adquiriram, na Glória (centro do Rio), há dez anos. “Aqui moramos e ensaiamos, já que tem um pequeno teatro logo na entrada. Nos inspiramos no estilo das maisons d’artistes, bastante comuns na França”, conta André. Juntos, eles fizeram grande parte da reforma do espaço, que hoje funciona também recebendo grupos para workshops. “Compramos praticamente a ruína de um cortiço e estamos em obras há 10 anos. Esse lugar tem muito a ver conosco, nada é fixo, tudo se transforma. Esse movimento constante resume a nossa essência”, aponta Artur.