Humor _ 03 setembro _ por Luís Antônio Giron

Gregório Duviver: "O humor é filho da tragédia"

Fundador e roteirista da ousada série Porta dos Fundos, em parceria com outros humoristas, o ator, roteirista e apresentador é um dos responsáveis pelas dezenas de milhões de visualizações do canal no Youtube.

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O sucesso de Gregório Duvivier, de 37 anos, se deve a uma inquieta mentalidade “multitarefeira”. Antigamente a gente chamava esta virtude de versatilidade, e hoje há quem elogie esse tipo de pessoa como “polímata”, alguém que pode se aproximar de gênios como Leonardo da Vinci. Bem, obviamente, não é exatamente o caso de Gregório, mas ele quase chega lá quando o assunto toca a atuação. Foi como ator que ele iniciou carreira e passou a ampliar os campos de atuação, e todos com êxito: roteirista, humorista, músico, poeta, apresentador de TV, escritor, diretor de cinema e televisão e até dramaturgo. Em pouquíssimo tempo, consagrou-se em setores surpreendentes, como da história infantil. Acabou de lançar o livro João Pestana, a história do gigante mais minúsculo do mundo. “Comecei a escrever para atuar e depois quando eu fui para a televisão senti falta disso, de me identificar com os textos que eu falava”, diz em entrevista a FLO. . Sua ascensão começou na década de 2010. Claro que não lhe faltou berço: é filho da cantora de MPB Olívia Byington e do compositor, arranjador e artista plástico Edgar Duvivier Até agora Gregório não exibiu a faceta de pintor, mas não é de espantar que o faça um dia, talvez por não aparentar ser muito afeito ao individualista, como a maioria dos artistas. Sua vida artística foi pautada pelas parcerias. Em 2012, fundou Porta dos fundos , um coletivo que revolucionou o humor no Brasil: a plataforma humorística multimídia Porta dos Fundos, ao lado dos colegas do humorismo da TV Globo Antonio Tabet, Fábio Porchat, João Vicente de Castro e Ian SBF. A produtora obteve prêmios como o Emmy Internacional de Comédia, em 2019, e atinge hoje milhões de inscritos e dezenas de milhões de visualizações diárias em seu portal. O sucesso internacional incentivou que o coletivo lançasse uma versão mexicana, o Backdoor - Humor por donde no lo esperas", e conta com milhões de assinantes. “O Porta dos Fundos foi como conseguirmos concretizar esse sonho de fazer um humor autoral, com que a gente concordava e não tinha filtro, que a gente pudesse dizer o que pensava”, conta. E explica por que o programa se tornou um “divisor de águas” para a trupe. “A gente antes trabalhava numa corporação, a Globo, onde a gente não podia dizer o que a gente queria. A gente escrevia também, mas tinha tantos filtros, tinha tantas coisas que não podiam ser ditas. E a gente acabava não se reconhecendo no produto final.” Sobre a reação entusiasta do internauta e do público em geral, Gregório cita a frase célebre de Gilberto Gil, segundo o qual o povo não sabe o que quer e quer o que não sabe. “Foi isso um pouco que a gente descobriu na prática, que as pessoas queriam Porta dos Fundos e que o humor precisa de liberdade, foi o que a gente provou. Liberdade para os criativos. E a gente, com liberdade, se encontrou.” A atividade teatral o ajudou a pensar sobre representação, humor e tragédia. Nos palcos ao vivo, ele correu por fora, e desde 2003, num total de 15 espetáculos, entre peças e stand up comedies. Em 2023, produziu, dirigiu e atuou na peça Sísifo, em parceria com o músico e teatrólogo paulistano Vinícius Calderoni, baseada no ensaio “O mito de Sísifo”, do escritor argelino Albert Camus. Como resultado da reflexão em palco, chegou a uma forma de humor, alimentada pela tragédia. “Sentido é que nem saca-rolha: todo mundo precisa, e você sabe que não tem quando precisa”, filosofa “A peça [Sísifo) acabou sendo sobre a vontade, o sentimento de construir um sentido de país. E falar de Sísifo é rico porque o trabalho do ator é o trabalho de Sísifo. Foi o Camus que falou isso. É preciso imaginar Sísifo feliz. Afinal de contas, enquanto ele empurra a pedra ladeira acima a vida dele está preenchida.” Afirma que é difícil fazer humor no Brasil porque o brasileiro tem tragédia no DNA. “Nossa história é um longo desmoronamento, num rompimento de barragens, todo ano tem um grande incêndio”, diz. “Então como é que se faz humor? O humor não é incompatível com a tragédia. Ele é, ao contrário, filho da tragédia.” E conclui, prometendo não desistir das trilhas que escolheu e o escolheram para trilhar. “As pessoas confundem humor com bom humor. E humor é esse olhar paralisador à tragédia; você não vai me paralisar, isto é que o humorista fala.” Como costumava dizer um crítico britânico, V. S. Pritchett, a tragédia é quando eu caio no buraco; a comédia é quando você cai. Ora, Gregório Duvivier faz o público cair na gargalhada enquanto carrega pedra. - Produção, direção e entrevista: Carolina Sá. Direção, câmera e edição de imagens: Felipe David Rodrigues. Imagens adicionais: Greg News, Porta dos Fundos e Companhia das Letras.