Moda _ 03 dezembro _ por Simone Raitzik

A moda sustentável da pioneira Flavia Aranha

Flavia Aranha é uma das pioneiras em criar moda sustentável no Brasil. Suas peças despojadas e elegantes são feitas de fibras naturais e cores inusitadas, suaves, estimulantes.

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O conceito de “slow fashion” se traduz na moda engajada e artesanal da estilista paulista Flavia Aranha. Dona de uma loja na capital paulista e outra em Paraty, onde vive atualmente com o marido e o filho pequeno, ela diz que desde que abriu a marca que leva seu nome e começou a assinar coleções exclusivas, há exatos 15 anos, entendeu que o universo da moda deveria perder o tom consumista e ganhar um propósito. Foi assim que ela saiu em busca de comunidades pelo Brasil afora para desenvolver pigmentos e tecidos naturais, provenientes de agricultura orgânica sustentável. “Usamos algodão e outras fibras colhidas em cultivo familiar, tingidas com plantas e ervas brasileiras, num modelo que preza por relações econômicas mais justas com os demais elos da cadeia”, diz ela. A trajetória de Flavia como referência de uma moda engajada começou quando ela tinha apenas 23 anos e viajou para a China a trabalho, para uma grife de jeanswear. Ali, visitando fornecedores, viu rios tingidos de pigmento azul - índigo - e crianças sendo exploradas como mão de obra. “Do outro lado do mundo, entendi o quanto essa indústria era cruel. “Entrei em crise e comecei a questionar tudo”, revela. Em seguida, foi à Índia e, visitando algumas comunidades, descobriu o tingimento com pigmentos naturais, em um processo artesanal. “Entendi que esse seria o meu futuro. Quando voltei para São Paulo me desliguei do trabalho, viajei um ano pesquisando comunidades que pudessem ser parceiras, e resolvi criar a minha marca. Meu objetivo era desenvolver uma lógica inversa do sistema e do mercado e resgatar a ancestralidade das técnicas artesanais”, revela ela, enumerando os vários pigmentos que desenvolveu, como o proveniente da casca da araucária, o da erva mate, catuaba e urucum. “Só não conseguimos chegar ao preto, mas ao cinza chumbo sim”, avalia. O grande desafio, para a grife Flavia Aranha, hoje, é crescer de forma segura e conseguir divulgar seu propósito, ampliando o impacto na sociedade. “Meu objetivo não é ter 10, 20, 30 lojas. Mas como é que faço para esse ecossistema se retroalimentar e gerar mais receita, e ainda gerar mais repercussão?”, indaga. Com esse foco, ela criou a Teia, “holding” que vai reunir essa expansão e se divide em alguns segmentos. O primeiro é uma escola, batizada de Trama, que pretende disseminar o know-how resultante das pesquisas com fibras naturais realizadas pelo grupo, agregando parceiros para funcionar como um hub de inovação em moda. “Temos muito conhecimento acumulado que fica guardado, e isso não faz sentido”, diz ela. Atualmente, por exemplo, a marca está pesquisando a fibra da malva, planta amazônica para a qual já existe uma cadeia produtiva formada por famílias ribeirinhas, para transformá-la em tecido. A mesma coisa acontece com a bromélia, que vai virar uma textura leve e gostosa para vestir. O segundo novo negócio se chama Roda e também se volta para o varejo. “Queremos comercializar matérias-primas a granel, ou seja, tecidos por metro, corante por quilo. Toda nossa pesquisa vai se abrir para o mercado”, aponta ela, de olho na criação ainda de uma marca de básicos, como camisetas, shorts e vestidos a preços mais acessíveis. “O nosso produto hoje sai caro. A Roda vai oferecer peças mais simples para o dia a dia”, dispara. Já o Cora vai ser o braço que concentra pesquisa e inovação industrial, disponibilizando essa tecnologia para marcas e fabricantes. “Antes os tingimentos aconteciam na panela do meu atelier. Hoje conseguimos produzir 500 quilos de corante em parceria com a indústria. Essa escala é a forma do negócio sobreviver a longo prazo. Temos que apostar na ciência e inovação como forma de investimento”. Feliz com a decisão de morar por uns tempos em Paraty, Flavia alugou a casa que pertence a Amyr Klink para abrigar sua loja, em frente à Praça da Matriz. O espaço, amplo, tem piso coberto por areia da praia e uma decoração recheada de peças artesanais, garimpadas entre os artesãos da Ilha do Ferro, em Alagoas. “Aqui já tinha exposto o barco que Amyr cruzou a remo o Atlântico e resolvi deixá-lo no mesmo lugar, suspenso junto à escada. Virou um atrativo a mais".