Design _ 28 junho _ por Silvana Maria Rosso

Formafantasma: "O design pode salvar o planeta"

Os designers italianos Andrea Trimarchi e Simone Farresin, do estúdio Formafantasma, realizam um trabalho inovador e ecologicamente correto ao utilizarem com propriedade materiais tradicionais como a madeira e a lã.

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Mais que um estúdio de design, Formafantasma é a simbiose entre o siciliano Andrea Trimarchi e o veneziano Simone Farresin, que se encontraram nos anos 2000 no ISIA (Istituto Superiore per Le Industrie Artistiche), em Florença, seguiram juntos para o aperfeiçoamento na DAE (Design Academy Eindhoven), na Holanda, e hoje são notórios pensadores e pesquisadores do design. Multidisciplinar, Formafantasma atua do projeto à curadoria e consultoria para empresas dos setores design e moda e instituições, como Artek, Tacchini, Prada, Cc-Tapis, de Veneza, Salão do Móvel, Serpentine Galleries, Vitra Design Museum entre outros. O estúdio se diferencia, sobretudo, pela abordagem que parte da exploração do contexto em torno do projeto, questionando as implicações socioeconômicas relacionadas e o impacto nos recursos naturais e na sustentabilidade em geral. Graças a essa abordagem, Andrea e Simone ganham cada vez mais espaço durante a Semana do Design em Milão. Na sua mais recente edição, por exemplo, foram novamente convidados pelo Salão do Móvel a assinar o projeto da Arena "Drafting Futures". Seguindo o critério da sustentabilidade, a dupla recuperou a estrutura de mobiliário usado em 2023 em vez de criar uma nova. Para a terceira edição Prada Frames, cuja curadoria é assinada por eles, exploraram o tema “Being Home”, refletindo sobre as políticas sociais e culturais que regulam as relações entre os indivíduos no ambiente privado. Ainda em cartaz, a mostra “La Casa Dentro”, organizada pela Fondazione ICA Milano, apresenta peças inéditas do estúdio e constrói um delicado ensaio em torno da ideia da casa enquanto espaço de relações humanas e temáticas ligadas à identidade pessoal e à memória coletiva. Já a Cosentino, fabricante espanhola de revestimentos, fez parceria com o estúdio para criar a coleção Silestone® XM, exibida na instalação “Earthic® LAB”, que visou conscientizar sobre a importância do design nos processos de produção sustentáveis. Para a Flos, Formafantasma projetou o sistema modular SuperWire, que inclui luminárias de chão e de mesa, arandelas e diversas configurações de pendentes, cujo design simplifica a substituição de componentes e a reparação. Refinados e polidos, Andrea e Simone labutam sem parar e não perdem a compostura. Um no celular, o outro no computador, falam e se movimentam de um lado para o outro do grande loft, localizado em Ciminiano, Milão. Depois de atuar profissionalmente e viver por 15 anos na Holanda, a dupla voltou para a Itália no pós-pandemia, mantendo um pequeno escritório em Roterdam e se transferindo para esse espaço que integra vida privada e profissional. Ali os ambientes têm dupla função: no térreo, área social/copa-cozinha/escritório; e no mezanino, dormitório/ala diretoria. “Pelo fato de vivermos e trabalharmos juntos, para nós não existe divisão entre escritório e casa, existe um magma. Mas não gostamos da ideia de que haja uma erosão do espaço doméstico em favor do espaço de trabalho, nem sequer temos a ideia de que o trabalho pode estar em todo lugar e que a domesticidade pode estar em toda parte”, diz Simone. Assim como consideram o espaço privado salutar, levam muito a sério o respeito perante o local onde executam sua profissão. “Trabalhar exige uma postura ética nos confrontos da própria atividade que, para mim, é quase superior àquela perante o indivíduo”, ressalta. A postura ética e as influências que tiveram durante os estudos os conduziram para a investigação em torno do projeto. No Isia, a dupla bebeu das águas do grupo Archizoom, vertente da arquitetura radical. E na DAE, desenvolveram o pensamento crítico, introduzido pelo coletivo Droog Design, fundado por Gijs Bakker, diretor do curso de design à época. “O nosso estúdio logo começou a atuar com temas ligados à ecologia, aos impactos político e social do projeto, observando de modo crítico os componentes, algumas vezes negativos, em que o design pode contribuir”, lembra Simone. E é da investigação dos materiais de onde parte o Formafantasma, afinal, “design é uma disciplina que transforma a matéria em objetos desejáveis”, justifica Andrea. - O projeto do Formafantasma inicia no levantamento de informações, por meio de pesquisas, entrevistas, estudos de casos, além de muita discussão e diálogo, com profissionais de diversas áreas. No currículo do estúdio, verifica-se que, desde 2009, constam diversos estudos sobre materiais, começando pela própria tese de Andrea Trimarchi e Simone Farresin para a conclusão do curso da Design Academy Eindhoven: “Moulding Traditional” (2010) reflete sobre a tradição da cerâmica, tornando-se objeto de uma coleção/exposição. Ou “Botanica” (2011), uma pesquisa sobre o plástico. Assim como “Craftica” (2012), investigação visual e tátil sobre couro, encomendada pela Fendi. “O coração, o fulcro do nosso estúdio desde o começo foi olhar a matéria”, afirma Andrea. E o momento pivô do Formafantasma foi “Cambio”, em 2020: uma investigação/exposição, encomendada pela Serpentine Galleries, de Londres, sobre a extração, produção e distribuição de produtos de madeira. “Cambio”, que continua em evolução, mostra como o design pode desempenhar um papel crucial na exploração da madeira, tanto na criação de produtos mais sustentáveis, como também na consciência sobre o ambiente e as árvores enquanto sujeitos políticos. A exposição “Cambio” gerou desdobramentos e a atuação de Formafantasma tomou um novo rumo. O conteúdo das investigações atraiu empresas como a Prada que, em 2022, os convidou para a curadoria do simpósio “Prada Frames”, abordando a temática da floresta em sua primeira edição intitulada “On Forest”. Logo após a inauguração de “Cambio”, a finlandesa Artek firmou parceria a longo prazo com Andrea Trimarchi e Simone Farresin para uma análise da cadeia produtiva da coleção Alvar Aalto. Depois de esmiuçarem a linha de produção, partindo florestas finlandesas, Andrea e Simone descobriam que a seleção priorizava a estética do produto. Graças à consultoria, a empresa reintroduz um tipo de seleção que diminui a quantidade de árvores necessária para a fabricação dos móveis. Com esse procedimento, a Artek passa a encaminhar menos descartes para a produção de celulose, evitando o desprendimento de CO2 na atmosfera. “Obviamente, o CO2 permanece mais tempo dentro de um móvel do que em um pedaço de papel ou embalagem de transporte”, ressalta Simone. “O projeto da Artek tem duplo propósito. Por um lado, há uma empresa que deve reaprender a olhar para a madeira, por outro, também os cidadãos que devem reaprender a comprar objetos de madeira”, destaca Andrea. Além da nova estética da linha de objetos, a investigação resultou no aumento da garantia dos móveis para 60 anos. - Em 2023, o Museu Nacional da Noruega, encomenda ao Formafantasma uma pesquisa sobre a lã, que se formaliza na mostra “Oltre Terra”, como extensão das temáticas de “Cambio”, mas com objeto diverso. “A mostra analisa a relação que o homem construiu com a ovelha, partindo da prática pastoril nômade ao pastoreio intensivo e a mudança que isso gerou, seja em nível ecológico como no relacionamento que se estabeleceu com os animais”, descreve Simone Farresin. Tendo como base “Oltre Terre”, para marca de móveis Tacchini, Formafantasma realiza em 2023 um estudo para viabilizar a antiga tradição italiana de fabricar colchões com lã de ovelha na produção de estofados. O resultado é exibido na Semana do Design de Milão em uma mostra com alguns dos sofás históricos da empresa. No Salão do Móvel 2024, mais dois estofados reproduzidos na versão lã são apresentados. E, para o próximo 2025, Andrea e Simone esperam desenhar um produto 100% no material. Um componente do trabalho do Formafantasma é a educação que abrange do consumidor final, do visitante das exposições aos clientes. E deles mesmos: “Um dos aspectos da nossa atuação é descobrir e aprender coisas que nos ajudem a ter mais consciência das escolhas que fazemos”, alega Simone Farresin. A autoeducação reforça o senso de responsabilidade que Andrea Trimarchi e Simone têm perante ao projeto. Questionados se o design pode salvar o planeta, voltamos ao início da nossa entrevista. “Sim, mas tudo depende de como decidimos utilizar o material e de como transformá-lo, o que causa um impacto gigante sobre o planeta”, responde Andrea. - Fotos, vídeo e edição de imagens: Marta Melis. Imagens complementares: Tommaso Sartori, Formafantasma, divulgação/Cosentino, Alessandro Celli, Gregorio Gonella, Ina Wesenberg, Andrea Ferrari.