Música _ 21 setembro _ por Luís Antônio Giron

Gal em imagens mais que raras

Gal Costa ganha um álbum de fotografias que ele própria não guardou, além de depoimentos de amigos e confissões íntimas

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A menina morava no bairro quase homônimo da Graça, em Salvador, Bahia, quando teve as primeiras premonições. Maria da Graça Costa Penna Burgos, a Maria do bairro da Graça, nascida em 26 de setembro de 1945, estava com as amigas Dedé e Sandra quando presenciou a chegada de um cantor conhecido na cidade, que passou a distribuir autógrafos para uma pequena multidão. A premonição mostrava que ela, Graça, estaria na mesma situação no futuro. “Deveria ter uns 12, 11 anos, talvez menos”, conta. “Foi um acontecimento muito forte. Mas não comentei com ninguém. Guardei dentro de mim porque achava que as pessoas poderiam achar loucura. Como essa tive muitas outras antevisões. Tenho até hoje. E até hoje não conto para ninguém porque receio que se contar essa espécie de encantamento poderá se partir e impedir a sua realização.” De fato, a cantora baiana Gal Costa é tão tímida que pode escrever relatos íntimos, mas não ousa pronunciá-los em voz alta. E não deixa de ser peculiar que uma artista que se esforçou em desenvolver capacidades como intérprete e aperfeiçoar variações em seu visual (as capas de seus discos e os figurinos de seus shows são exemplos desse empenho) nunca tenha tido vontade de guardar imagens de sua história, rica em sons, obviamente, mas também em imagens. Imagens de que ela nem lembra ou lhe fugiram ao controle. Eis aí finalmente um álbum que vem a acrescentar dados inéditos à biografia de uma das cantoras mais importantes da música popular brasileira. O livro de capa dura Gal Costa (BEĨ Editora, 264 páginas, R$ 145) traz centenas de aparições da personagem, bem como entrevistas, depoimentos de amigos e de inconfidências dela própria – inclusive a relatada no início deste texto. Gal lançou o livro na livraria Travessa, em São Paulo, no início de abril, deu alguns autógrafos e assim, calada, não quebrou o encanto premonitório da infância. O lançamento foi acompanhado pela FLO. O volume foi organizado pelos críticos, escritores e produtores Leonardo Lichote, Marcus Preto e Omar Salomão. A supervisão foi de Gal, que, na quietude de sua modéstia, aprovou o projeto. Preto foi produtor de trabalhos da cantora e analisou a trajetória de Gal. As imagens do volume vão desde o retrato da primeira comunhão de Graça aos trabalhos mais recentes, como o extraordinário A Pele do Futuro (2018), com direção artística de Marcus Preto. Tudo isso sem deixar de lado instantâneos (como se dizia antigamente) inéditos, como fotogramas de estúdio, retratos de divulgação de seus primeiros discos, como Domingo (1966), ao lado de Caetano Veloso, e do LP de estreia, Gal Costa (1968). Não faltam cenas congeladas de espetáculos, como a participação em 1968, do IV Festival da Record com a canção “Divino maravilhoso” (Caetano Veloso e Gilberto Gil), quando estreou o figurino psicodélico. As imagens fotográficas podem ter se banalizado com os smartphones e outras tecnologias digitais. Hoje as fotos pairam pelos Instagrams da vida, mas deixaram de exercer o que tinha antes. As imagens de Gal ainda guardam essa aura. Até porque se trata de uma das artistas vocais mais cultuadas e reservadas do Brasil.