Artes _ 25 agosto _ por Luís Antônio Giron

Gerald Thomas, 50 tons do nada

O diretor teatral volta ao Brasil com várias produções, como "F.E.T.O." e "Traido", em que questiona a crença, o amor e o niilismo

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Ninguém foi poupado pela pandemia da Covid-19. Nem mesmo um diretor de teatro de sucesso como Gerald Thomas, de 68 anos. Carioca radicado em Nova York Gerald Thomas teve que vender parte de seu acervo artístico – desenhos e pinturas de sua autoria – para pagar as despesas e engordou 23 quilos. “Mas não posso reclamar”, diz a FLO. “Consegui vender US$ 59 mil. Mas isso não impede de eu ter perdido o apartamento em que morava havia 20 anos. Pelo menos voltei a malhar e já recuperei a forma física.” Gerald está mudando de residência em Nova York, e ainda assim não deixou o transtorno atrapalhar sua nova febre artística. Gosta de percorrer do experimental ao tradicional, do disruptivo ao conformismo. Em Nova York, comanda a restauração do teatro La MaMa, que se encontra em ruínas, e prepara a montagem da ópera "Così fan tutte", de Mozart, para a ópera de Hamburgo. “Não gosto das flautinhas de Mozart”, diz. “Estou fazendo isso por dinheiro.” De volta ao Brasil em agosto, estreou em São Paulo, no Teatro Sesc Anchieta, espetáculo "F.E.T.O. (Estudos de Doroteia Nua Descendo a Escada)", baseado na peça "Doroteia", de Nelson Rodrigues, além de encaminhar as produções de "Gala" (que havia estreado no Festival de Teatro de Curitiba), e "Traidor". "F.E.T.O." reúne as características das encenações de Gerald, cuja carreira já se estende por 50 anos, seja como assistente do dramaturgo irlandês Samuel Beckett, estudante do grupo de vanguarda La MaMa ou fundador da Companhia Ópera Seca, em 1985. Como em outras peças, em "F.E.T.O". apresenta uma festa de efeitos visuais e joga como um malabarista com referências e citações, identificáveis ou não. Além de adaptar a peça Doroteia, de Nelson Rodrigues, que conta a história de três irmãs que discutem a situação comum de falta de desejo sexual e de amor, Gerald cita, entre outras obras, a tela "Nu descendo uma escada" e a instalação "Roda de bicicleta", ambas feitas em 1913 por Marcel Duchamp, e a tela "No vento e na terra" (1981), de Iberê Camargo. E passeia em torno da ausência de crença no mundo contemporâneo. A peça conta sempre com casa cheia. Para muitos espectadores, o niilismo dela provoca reações amargas. Alguns a apelidaram de “50 tons do nada”, ao passo que outros chegam a pensar que se trata do epitáfio da carreira do diretor. “Não é assim, embora tenha um aspecto autobiográfico”, afirma Gerald. “Na verdade, a peça mostra a longa caminhada de um exilado político que, depois de idas e vindas, chega ao inferno.” Isso não sem antes deixar de refletir sobre o teatro Nô e a ópera, e revisitar a roda de Duchamp, obra que marca a arte de vanguarda ao abolir a aura da obra de arte. “A peça é circular e reflete uma situação do mundo, em que não é possível fica pior”, diz, otimista. No final, o inferno se torna a única opção de diversão. E Thomas prepara para dezembro, a estrear no também Sesc Anchieta, em São Paulo, o monólogo "Traidor", a ser estrelado pelo ator Marco Nannini, sobre um texto de autoria de Gerald. Nele, o protagonista incorpora sete personagens, de enfermeiro a motorista de Uber, passando por Boris Johnson, ex-primeiro-ministro britânico. “Vivemos em um mundo em que os cabeleireiros são mais importantes que os conselheiros políticos”, filosofa. “Basta ver os penteados do norte-coreano Kim Jon Húng. e de Boris Johnson. São cabelos geniais, que cobrem falta de ideias. O mundo atual não é teatro sério. É besteirol.” No vídeo a seguir, de Ilana Bessler (@habitado.projeto), além de Thomas, os atores Rodrigo Pandolfo e Fabiana Gugli falam a respeito do trabalho.