Gringo Cardia, observador de costumes e inventor de ideias
Referência em projetos grandiosos e criação de inúmeras exposições, clipes musicais, livros de arte, shows e museus, Gringo procura desbravar o novo.
Ele nasceu em Uruguaiana, no Rio Grande do Sul, e ainda jovem iniciou seus estudos em Arquitetura no Rio de Janeiro, onde trabalha e mora há mais de 50 anos, em uma casa com vista ampla para a Lagoa Rodrigo de Freitas. Mas o universo profissional do cenógrafo, artista visual, designer, diretor e curador Gringo Cardia vai muito além do horizonte carioca. Referência no Brasil - e no mundo afora - por assinar projetos grandiosos, como a concepção estética dos balés da coreógrafa Deborah Colker (inclusive de “Ovo”, sua obra para o Cirque du Soleil), além da criação de inúmeras exposições, clipes musicais, livros de arte, shows e museus, Gringo se diz, acima de tudo, um observador de costumes e inventor de ideias. Procura desbravar o novo, o surpreendente, apresentando nomes inusitados, muitos saídos da periferia. “Sou fã da cultura marginal, porque ali encontro hábitos e referências sem vícios. Cultivar esse olhar para o que não está evidente é fundamental”, avalia. Gringo assume que a base em arquitetura foi importante, porque na faculdade aprendeu “como os homens ficam em pé, como as coisas ficam em pé e como funciona o mundo”. Quando se formou, tinha uma oferta de emprego no DNER (Departamento Nacional de Estradas de Rodagem, extinto em 2001), mas optou por se juntar a um grupo de teatro, desenhando cartazes. “Fui sem ganhar nada, mas era o que eu gostava. Minha mãe ficou louca, mas eu percebi, de forma quase intuitiva, que arte me daria ferramentas para conquistar meus desejos”, diz. Logo começou a trabalhar com diferentes mídias - de livros a shows; de clipes a museus. No momento, pilota quatro projetos simultâneos: a casa de Darcy Ribeiro, que acabou de inaugurar em Maricá, e a de Beth Carvalho (RJ) e Maysa, também em Maricá. “São três museus-casa, e uso mais a palavra ‘casa’ por ser uma definição que conquista a nova geração. Há ainda o CARDE, de carro e design, que vai ser inaugurado no meio de uma floresta de araucárias em Campos de Jordão. O automóvel, nesse caso, funciona como uma ferramenta para contar a história do Brasil”. Nesses projetos, que ocupam sua agenda por longos períodos, Gringo assina o design e também o conteúdo. O grande desafio, segundo ele, é justamente, em tempos de uma comunicação visual intensa e instantânea, conseguir capturar a atenção do público. “Você tem que contar a história de uma maneira muito didática, dinâmica e interativa, porque aí as pessoas se ligam, principalmente os jovens”, define. Na bem-sucedida Cidade da Música da Bahia, um prédio de quatro andares, do lado do Mercado Modelo em Salvador, Gringo conseguiu atrair um público récorde, que visita o espaço acompanhado de um aplicativo desenhado para tornar a experiência mais interativa. “Sabe por que faz tanto sucesso? No último piso, há um espaço só de brincadeiras, com cabines para karaokê e oficinas para quem quiser aprender a tocar os ritmos típicos baianos. As pessoas se divertem e, de quebra, assimilam o conteúdo”. No universo da música, alguns de seus “clientes” assíduos são Maria Bethânia, para quem já desenhou inúmeros cenários e de quem se considera um “psicanalista visual”; e Carlinhos Brown - é dele a capa do consagrado disco “Omelete Man”. A coreógrafa Deborah Colker é também uma parceira antiga e, juntos, assinam a concepção artística de seus espetáculos. “O cenário é parte fundamental do desenvolvimento da coreografia, porque interage fisicamente com os bailarinos”, conta. Outro desafio recente foi “encapar” as colabs da Farm na Europa. “Fiz a instalação de uma árvore de crochê gigante na Liberty, em Londres. O Bon Marché, em Paris, me pediu para criar algo também, além da cenografia da fachada da Rinascente, de Milão. Agora estamos desenvolvendo algo para a loja de Nova York. O que gosto é que consigo trazer, nos projetos da Farm, a alegria, as cores vibrantes e a espontaneidade típicas do Brasil”. Além da agenda intensa de trabalho,Gringo tem, ao lado da amiga Marisa Orth, uma missão que ele se dedica de forma obsessiva, há 25 anos: formar mão de obra técnica para a área do showbiz, selecionando alunos de comunidades carentes. Juntos, criaram a Spectaculu, uma escola que já formou mais de 3.000 jovens. “Minha equipe, no estúdio, é formada por 70% de ex-alunos, e muitos são designers talentosíssimos. Eu já trabalhei no mundo inteiro, mas o que mais me orgulha, na minha trajetória, é ter criado tantas oportunidades para uma população carente, através da arte”. E quanto ao futuro, o que ele enxerga? “A arte indígena está começando a aparecer de forma consistente. A Bienal de Veneza foi em cima dessa narrativa, valorizando o conhecimento ancestral e a natureza. E não é só preservar a floresta mas, sim, todos os seres (e sua sabedoria) que a habitam. É dali que vão sair as sementes criativas”, aposta.