Arquitetura _ 04 novembro _ por Marley Galvão

Joice Berth mostra a riqueza da pluralidade do pensar e do fazer

Arquiteta e urbanista, pesquisadora, escritora, psicanalista, criadora de conteúdo digital e hoje uma das mais influentes vozes quando o assunto é luta racial e de gênero, Joice Berth mostra que é uma mulher de muitas facetas.

Capa da publicação em destaque

Há quem diga que a casa diz muito sobre a personalidade de quem a habita. E não é que ao abrir as portas de seu apartamento para a FLO Magazine, a arquiteta, urbanista, escritora, curadora e psicanalista Joice Berth chancelou esse conceito. Uma profusão de cores dá vida às paredes, livros, lembranças de viagens, recordações de família, plantas e peças ainda em busca do lugar perfeito se conectam a um sorriso intenso de quem recebe com prazer em sua casa. Joice é uma mulher de muitos matizes, de muitas nuances e isso se traduz em suas escolhas, tanto no décor quanto no que diz sobre si mesma e sobre o mundo. Um lar em construção. Assim é a morada desta feminista e também assim é sua personalidade. “Gosto de usar cores na minha casa, nas paredes. Estou ainda montando, porque faz pouco tempo que mudei para cá. É um processo sem pressa, que vai sendo construído”, diz ela. Joice desbrava incansavelmente temas nada confortáveis de serem abordados por boa parte da sociedade em suas palestras Brasil afora e nas redes sociais. Sim, ela ainda encontrou tempo em sua atribulada agenda para dedicar-se a falar sobre os mais variados assuntos, mas todos sempre recheados de muitas informações pertinentes e com direito à resposta para quem gosta de debater com afinco. Autoestima, feminismo, racismo, empoderamento, cidadania. Joice transita com leveza entre tantos temas que angariou uma legião de fãs no Instagram e no Twiter. Politemática, ela é uma observadora do comportamento humano e lança seu olhar atento sobre as entrelinhas das notícias, dos posts e não passa batida quando o assunto tem pano pra manga. Hoje, a paulistana de 47 anos, que cresceu na Zona Norte e continua a morar na mesma região da capital paulistana, num prédio bem em frente ao Horto Municipal, mira, ao mesmo tempo, de maneira serena e vibrante para o horizonte. Mas não se desprende de seu passado. Enfrentar dificuldades inerentes à mulher preta, nascida na periferia de São Paulo e tornar-se uma inspiração, referência em diversos temas, não é tarefa das mais fáceis. Ela tira de letra cada percalço e, agora, claramente se delicia com os resultados de suas conquistas. E o sorriso ficou ainda mais largo, afinal, acabou de lançar seu livro “Se a cidade fosse nossa” (Editora Paz e Terra, 274 páginas), uma imersão em pautas essenciais à luta de igualdade social e de gênero nas cidades. Na obra, Joice mergulha no tema principal de seus estudos, iniciados nos bancos da faculdade de arquitetura e urbanismo que frequentou: o direito à cidade. Nele, a autora envereda por caminhos que levam a questionamentos com viés crítico racial e feminista. “Este livro reúne dez anos de pesquisa sobre o direito à cidade, sobre como não nos sentimos donos dela. Se a cidade fosse nossa nós não teríamos problemas históricos que nunca foram abordados com profundidade, como as questões referentes à raça e ao gênero. As cidades foram feitas por homens brancos, para homens brancos. E é preciso debater os caminhos para tornar o espaço, de fato, para todos”, sentencia a pesquisadora. Por meio da história da formação das cidades desde a colonização até os dias atuais, a autora finca o debate no modelo higienista dos projetos de urbanização que perpetuam a distancia entre pobres e ricos, pretos e brancos, mulheres e homens. Joice se alimenta de nomes como Lina Bo Bardi, Lúcio Costa, Francis Keré, Paulo Freire, Milton Santos, Patricia Hill Collins e Angela Davis para levar o leitor a outro patamar de entendimento sobre cidadania. Antes, porém, Joice escreveu “O que é empoderamento” (Editora Letramento, 2018), terceiro volume da Coleção Feminismos Plurais, com organização de Djamila Ribeiro, cuja tradução para o francês lhe rendeu bons frutos. No mesmo ano do lançamento, ela foi convidada a participar de debates e palestras em diversas cidades na França e na Bélgica para falar sobre o tema da obra. “Foi uma experiência muito rica. Afinal, o tema não é restrito ao Brasil. É uma questão que expande as fronteiras de qualquer país”. A pesquisadora, mãe de quatro filhos (três mulheres e um homem), se viu no foco dos holofotes quando recebeu uma homenagem em Paris. Na Lavagem da Madeleine, festa baiana na capital francesa, Joice ganhou seu espaço na ala Mulheres Resistência, que homenageava escritoras negras e indígenas. Aqui, em solo nacional, ela foi considerada uma das mentes mais criativas do Brasil pela revista Wired. Entre outras ações de que Joice participou com o intuito de levar o pensamento coletivo sobre o morar e as temáticas raciais e de gênero, está a curadoria, ao lado de Marcelo Campos, da exposição "Casa Carioca", no Museu de Arte do Rio (MAR), em 2020. Após dois anos, foi convidada para ser também curadora do evento "Margens de 22 – Presenças Populares", mostra que levou para o debate o porquê de alguns artistas participaram e outros não da Semana de Arte Moderna de 1922. “O objetivo era colocar no centro, dar destaque a esses artistas que ficaram à margem e trazer obras menos conhecidas de nomes consagrados. Conheci muitas obras no processo da curadoria. Gostei muito da obra de Takaoka, que coloca a figura feminina num lugar admirável, sem estereótipo. Hoje já não há mais lugar para isso”, completa.