Moda _ 29 fevereiro _ por Silvana Maria Rosso

Paris Fashion reúne primeira linha da alta-costura internacional

Uma centena de desfiles e apresentações sempre aguardados marca a movimentada semana de moda da Cidade Luz ao reunir grifes de primeira linha da moda internacional.

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DIOR E O PAPEL DA MULHER Na Paris Fashion Week, a Dior apresenta mais que um figurino, mas uma reflexão sobre o papel da mulher no mundo. A coleção outono-inverno 2024-25 (foto acima) homenageia história do estilo da maison na segunda metade dos anos 60, ano do nascimento de Miss Dior, que surgiu para expressar a mulher independente. Maria Grazia Chiuri inspirou--se na musa Gabriella Crespi, uma eclética artista e designer italiana, que foi chamada para trabalhar na Dior pelo então diretor criativo da marca, Marc Bohan. No cenário do show, destacam-se obras da artista indiana Shakuntala Kulkarni que oferecem outro ponto de vista sobre o discurso feminista protagonizado pela estilista italiana. As armaduras dispostas ao longo de toda a passarela têm um duplo valor: protegem e prendem a mulher que os usa. Chiuri reformulou o logotipo da linha Miss Dior, que nasceu como expressão dos valores contidos na marca, estampando-os em algumas roupas. A nova coleção desenvolve-se dentro da paleta de cores alinhada com as preferidas da estilista - do branco ao bege, do cinza ao preto. E apresenta um design muito atual: minissaias, ternos com túnica e saia geométrica, vestidos de corte A, enfatizando o empoderamento da mulher de hoje.

SAINT LAURENT: NUDE E TRANSPARÊNCIAS COMO PROTESTO Anthony Vaccarello inspira-se na coleção Libération de 1971, uma das mais audaciosas e escandalosas da história, para criar o guarda-roupa outono-inverno apresentado em Paris. Na época, Yves Saint Laurent baseou-se nos cânones dos anos sombrios da guerra e nas suas restrições: cerca de 80 modelos que incluíam saias até os joelhos, casacos com ombros quadrados e sapatos plataforma. É lembrada como “a coleção escândalo”, como uma espécie de manifesto: foi a moda que colidiu com a história contemporânea. E 50 anos depois, Saint Laurent escandaliza novamente. As cores nude protagonizam o desfile, expressas em camisas transparentes, casacos de pele sintética, saias lápis, vestidos midi bem justos, cintos que apertam a cintura. A transparência é eleita como símbolo de protesto, criada a partir da reinterpretação do material habitualmente utilizado nas meias, a malha perfeita porque é leve, elástica, transparente, em referência ao icônico vestido usado por Marilyn Monroe o aniversário de Kennedy.

Foto Saint Laurent

COURRÈGES: SENSUALIDADE AFLORADA A abordagem do diretor criativo da Courrèges, Nicolas Di Felice, para a coleção outono-inverno, é ousada e denota uma nova sensualidade. Di Felice traz diversão com os looks a partir do sobretudo oversized, que abre o desfile. A gola quase cobre o rosto das modelos e as mangas, não usadas, ficam caídas nas laterais. O que desperta curiosidade e chama atenção é o bolso misterioso na frente, que convida a mão a repousar sobre o púbis, como referência ao prazer feminino. Pela primeira vez, a marca abandona a rigidez e parte para a imprecisão, trabalhando o tecido em viés. Os cortes são suaves e assimétricos, cobrem o busto e terminam em forma de luva. Também são reveladas conotações surrealistas que o criador e compatriota de Magritte ousa. Alguns vestidos são simétricos de forma que as cavas e o decote também se encontram, como que pela ação de um espelho, nas pontas das saias. Recurso feito, segundo o designer, para criar movimento à roupa e dar vida às pernas.

Foto Divulgação

BALMAIN: UMA ELEGIA À BORDEAUX Olivier Rousteing, diretor criativo da Balmain, dedica a coleção outono-inverno apresentada na Paris Fashion Week à sua infância em Bordeaux. A cidade francesa é conhecida pela produção de vinhos Cru Bourgeois, refletida na abundância de uvas que aparecem em toda a coleção. Cachos pendem das mãos, estão enrolados em torno do corpo como formas incrustadas, aninhados em vidro e contas de metal em corpetes e estampados em vestidos. A segunda referência decorativa territorial de Rousteing é o ingrediente principal dos escargots à la Bordelaise. A frágil hélice retorcida de uma concha de caracol está moldada em algumas roupas ou vem como brincos ou decora fechos de cintos e bolsas. O trench coat surge fortificado com ombreiras, desconstruído em um top e saia com capuz, reimaginado como no formato Jolie Madame de Pierre Balmain, com cintura marcada e quadril flauta ou cortado em couro. O show destaca-se pela variedade etária do elenco, fazendo conexão à infância de Rousteing e enfatizando a filosofia do seu design em celebrar a beleza da diversidade.

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CHLOÉ RESGATA ESTILO BOHO A designer alemã Chemena Kamali em seu primeiro desfile como diretora criativa da Chloé resgata o estilo boho, com blusas esvoaçantes, babados e cores neutras dominando. Todos os códigos e DNA da maison estão presentes na coleção outono-inverno 2024-25, apresentada na Paris Fashion Week. Espírito anos 70, feminilidade boêmia... Uma mulher livre e sensual, natural e autônoma. Kamali traz do arquivo da Chloé indícios de Karl Lagerfeld nos anos 70 com botas acima do joelho, franjas, muitos babados de chiffon e couro bege. Ela também revisita Stella McCartney e Phoebe Philo, com calças de cintura alta e blusas Portobello.

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GIVENCHY E A NOVA BONEQUINHA DE LUXO No aguardo de um novo diretor criativo, após a saída de Matthew M. Williams, Givenchy realiza o desfile outono-inverno, criado pela equipe de design, no ateliê da maison, quase como uma prova de roupa. Elegante, com uma variedade de trajes diurnos, para coquetéis e roupas de noite, o figurino remete às coleções do fundador Hubert de Givenchy e aos modelos que consagraram Audrey Hepburn em "Bonequinha de luxo". A mulher Givenchy é uma Hepburn atualizada a la "Emily in Paris". A coleção apresenta uma tendência anos 80 com peles rechonchudas e paletós com ombros retos. A alfaiataria é forte, especialmente os casacos longos em lã espinha de peixe ou jacquard azul-marinho com motivos de pelos de gato dos arquivos. Vestidos de coquetel vêm com decotes gráficos terminando bem acima do joelho. As lantejoulas aparecem cobertas de veludo em um casaco emplumado e em forma brilhante em vestidos. Baseados em peças de arquivo, colares e pulseiras ganham forma em cristal e esmalte. O laço característico da época dourada materializa -se em brincos, anéis e grampos de cabelo. - E adorna luvas de couro, tornando-se detalhe distintivo da proposta de calçados, onde enfeita sapatos de salto alto.

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RABANNE: UM GUARDA-ROUPA PARA CADA PERSONAGEM Em camadas, a coleção outono-inverno Rabanne apresentada em Paris pelo designer Julien Dossena é própria para um clima que muda a todo instante e para uma mulher que quer exclusividade. "Quero intimidade e realidade e apenas roupas genuinamente boas”, diz o estilista. Desleixado, confortável, caloroso e terno, é um guarda-roupa de peças individuais, projetadas para permitir que uma mulher construa seu próprio personagem. Camisas de malha com botões; top em couro patchwork; calças xadrez espalhafatosas; cardigã grande demais; conjunto de top e cachecol de pele sintética de leopardo; minissaia acolchoada. Tudo misturado. Maxissaias e vestidos com batas e franjas montados a partir de painéis de estampas mortas com visual haute boêmio e econômico. Blazers de couro colocados sobre blazers boyfriend, camisas de botão, transparências bordadas demais, estampas e cores contrastantes. Muitas novas interações, além famosas e revisitadas bolsas de couro de Paco Rabanne que dão o toque dos anos 70.

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ISSEY MYAKE E A HISTÓRIA DO VESTIR "Tramas do tempo" é o título da coleção outono- inverno de Issey Miyakel, apresentada na Paris Fashion Week. Liderado pelo criativo Satoshi Kondo, o desfile promove uma experiência que reflete a essência da moda contemporânea. Kondo combina a herança da marca com uma visão inovadora, criando uma coleção que encanta o público. As peças expressam a continuidade do passado, refletindo a atenção de Miyake à função e à forma, ao mesmo tempo que exalam uma energia fresca e moderna. O desfile transporta a uma viagem no tempo e no espaço, explorando as raízes ancestrais da moda e a sua evolução contínua. O guarda-roupa conta sobre o legado de vários séculos de história e culturas, encarnando aquele gesto milenar de vestir o corpo humano. A fluidez e o movimento dos tecidos falam de história, força e beleza autêntica.

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O FIGURINO TEATRAL DE NINA RICCI A coleção outono-inverno, criada por Harris Reed, diretor criativo de Nina Ricci, apresentada na Paris Fashion Week, vem com ares teatrais. Entre laços gigantes e uma sensualidade ousada, o guarda-roupa denota a evolução da identidade da maison, que incorpora o espírito de uma mulher francesa feroz e contemporânea. O amplo mosaico de modelos, a variedade de tamanhos, gêneros e identidades evidenciam o compromisso de Reed com a diversidade e a inclusão. A coleção homenageia os clássicos parisienses, fundindo-se à sensibilidade moderna: o resultado são looks atemporais. Capuzes forrados de pelos e laços agora gigantes citam o arquivo da casa. O chiffon fluido combinado com couro de crocodilo brilhante exala a sedução femme fatale, enquanto os ternos sob medida oferecem um contraponto masculino aos vestidos drapeados. Macacões de renda ou em tecidos transparentes oras são encobertos por casacos, ora integram-se aos contornos femininos como que afirmassem que nada têm a esconder.

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LOEWE: ABORDAGEM ARTSY A arte emoldura a coleção outono-inverno assinada por Jonathan Anderson para Loewe na PFW. A passarela em tons de verde menta e sálvia e paisagens bucólicas do pintor Albert York fazem fundo para as criações de Anderson, ornamentadas por motivos botânicos e rurais. A arte citada pelo estilista dá centralidade à roupa e a quem a veste, devolvendo funcionalidade e realidade ao guarda-roupa. A assinatura de Andersen está presente em detalhes, como os densos bordados de contas que mais parecem tapeçarias. Encontramos seu divertissement transformador na silhueta exagerada das calças. Ou na bolsa de ramo de aspargos que reproduz uma antiga porcelana Chelsea, combinando com o vestido longo em estampa xadrez para evocar um piquenique no interior da Inglaterra.

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A NOVA ERA McQUEEN A estreia de Seán McGirr como diretor criativo no desfile na Paris Fashion Week marca a nova era da grife Alexander McQueen. “Pensei na coleção Birds, desenhada por Lee McQueen em 1995, com aquele vestido de plástico que forçava a silhueta”, diz o estilista que acrescentou ao guarda-roupa a homenagem ao seu pai mecânico, com cores que remetem a automóveis esportivos famosos através de roupas rígidas. O desfile outono-inverno compõe-se de peças com detalhes inesperados: das lapelas assimétricas aos ombros nada convencionais, passando pela saliência chanfrada, até os bolsos escondidos. Uma explosão de peles, detalhes brilhantes, cores, suéteres surreais em tamanhos maxi, drapeados e tops dramáticos e "decrescentes" que cobrem o rosto. O resultado é um arquivo vivo e pessoal, de olho nos acessórios para venda nas lojas. McGirr tenta preservar a essência da grife, mas deixa no ar a esperança de um futuro renovado.

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HERMÈS: PARA AS INTEMPÉRIES A mulher Hermès sobrevive a qualquer mau tempo, no senso literal e figurado. A diretora criativa Nadège Vanhee-Cybulski mostra na coleção outono-inverno, apresentada na PFW, que sua mulher Hermès é forte o suficiente para enfrentar os obstáculos da vida, com roupas resistentes e protetoras. Um estilo motociclista com muitos looks em couro da cabeça aos pés com zíperes utilitários e decorativos. Vestimentas em vermelho brilhante destacam-se na paleta neutra dominada por marrons e preto. As tachas apareceram em jaquetas e saias, dando um toque masculino. Malhas caneladas sensuais combinam com saias, casacos e calças. A jaqueta Moto vem entre o figurino urbano, além das jaquetas de montaria meticulosamente cortadas, os casacos quadrados e os trench coats com cinto. A bolsa está sempre presente, mochilas e clutches de tamanho médio, ou pequenas bolsas amarradas na cintura. Botas resistentes completam o figurino e permitem que essa mulher pise segura em qualquer lugar e ocasião.

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PARA ONDE CAMINHA A MODA? É a principal questão levantada por Demna Gvasalia, diretor criativo da Balenciaga, durante o desfile outono-inverno. Ele nos convida a uma série de reflexōes, que ecoam durante o show. O que é luxo hoje? Para que serve a moda num mundo saturado de imagens e coisas? O que nos leva a ter ainda mais coisas do que temos? A cenografia, composta por paredes feitas de telões de LED por onde fluem as diversas imagens e conteúdos que invadem nossos dias, expressa a confusão do mundo atual. A coleção é encenada com tags da grife anexadas, enquanto outras são envoltas em fita adesiva, para representar o excesso de coisas, de marcas e de produtos da moda. Quando isso será suficiente, ele se pergunta. E o que é suficiente? O resultado é um mix de inspirações do passado da grife que compõem looks futuristas onde os volumes e as sobreposições reinam. Nos usos bizarros das peças está toda a sua filosofia de reciclagem, o upcycling do qual é mestre e inovador. Itens de roupa íntima aparecem em destaque em diversos looks e algumas viram agasalhos e até vestidos. Afinal, o que é o luxo hoje? Criatividade, provavelmente. Ou pelo menos essa é a resposta do designer no momento. Mas a incitação ao questionamento começa antes do desfile: o convite vem em um embrulho contendo um antiquariato moderno selecionado entre os itens à venda no eBay. A ideia faz parte da colaboração entre a Balenciaga e a plataforma, onde muitos dos excessos da vida terminam, mas onde ainda é possível encontrar algo único.

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VALENTINO E OS NOVE TONS DE PRETO "Le Noir", a coleção outono-inverno assinada por Pierpaolo Piccioli, diretor criativo da Valentino, revela as infinitas nuances do preto, graças aos acabamentos dos tecidos. Bordado, transparente, rigoroso ou esbelto, o preto é essencial, mas repleto de significâncias e significados. Piccioli adota um vocabulário cromático rico e profundo que, combinado com a herança artesanal de Valentino, reescreve a sintaxe de volumes. «Do preto procuro a luz», afirma o diretor criativo, resgatando-a em babados e pregas que brincam com o claro-escuro, nos altos relevos do tule que sombreia a pele, no veludo intenso e no chiffon velado. Grafismos ousados contrastam com os tecidos mais delicados. A história da maison é relida sob um ponto de vista suave em laços, ombros definidos, rendas e rosas. A cor é tão rotineira, tornando-se representativa de cada momento do dia, em looks que vão da manhã à noite. Do longo ao curto, do casual ao sofisticado, um guarda-roupa que esconde, revela, surpreende, encanta e porta consigo novos temas.

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CHANEL E A BRISA DE DEAUVILLE A coleção outono-inverno de Virginie Viard para a Chanel, exibida na Paris Fashion Week, passeia pela paisagem marítima de Deauville, na Normandia, onde Mademoiselle Coco Chanel abriu sua primeira boutique em 1913. A cidade também é fundo para o icônico filme de Claude Lelouch, "Um Homem, uma Mulher", produzido em 1966. Antecede ao show um tributo ao filme, dirigido por Inez e Vinoodh e estrelado por Brad Pitt e Penélope Cruz, cujas imagens são feitas a partir das cenas iniciais da película. É nesse clima fresco como a brisa do mar que as roupas são apresentadas. Ternos de malha, longos casacos, e grandes chapéus dobrados, que chamam atenção durante o desfile. Vemos maxi cortes nos comprimentos, modelos em couro. São muitas referências ao universo Chanel: dos ternos de tweed, aos terninhos de lã xadrez às boinas. A paleta é dominada por tons pastéis e neutros, mas entra o azul em trabalhos denim, numa releitura romântica e moderna do DNA da maison.

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LOUIS VUITTON: UMA DÉCADA EM 20 MINUTOS A semana da moda em Paris fecha com o desfile outono-inverno da Louis Vuitton, que marca os 10 anos de Nicolas Ghesquière na maison. A apresentação ocorre no Cour Carrée do Louvre, locação icônica dos desfiles da grife, onde o designer apresentou sua primeira coleção. O cenário, concebido novamente pelo artista plástico Philippe Parreno em colaboração com o designer de produção James Chinlund, é uma estufa futurista, iluminada por 13 enormes globos e ocupa todo um quadrilátero do Louvre, subindo quase até a mansarda do museu. Ghesquière considera a jornada um retrospecto, tendo a memória como guia para a imaginação. Em 20 minutos de desfile, a década dominada pelo estilista passa aos olhos como uma linha do tempo. A coleção garante a constância de um vocabulário compilado ao longo dos anos por Chesquière e mostra sua busca por diferentes horizontes. Vestidos de lantejoulas cintilam na passarela, luvas peludas inesperadas completam os looks. Jaquetas com bordados metálicos e cortes de sobrecasaca delineiam a silhueta limpa. Jaquetas de motociclista com gola aba e saias bolha aparecem em equilíbrio. Vemos a famosa alfaiataria cinza-lápis. E se integram aos looks as cobiçadas bolsas da marca, muitas no estilo de baús vintage em miniatura, arranhadas e amassadas. Objetos do desejo, os acessórios da maison, que começou como fabricante de malas e baús, vendem como água no site Vestiaire Collective. Em 2023, a grife tornou-se a primeira a superar os 20 bilhões de euros em vendas anuais. Ou seja, se Paris é a capital internacional da moda, a Louis Vuitton é a maior influencer fashion do mundo.

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