Monica Salmaso: sensibilizada pela beleza
Intérprete que lapida seu repertório com a delicadeza de uma jóia rara, a paulistana Monica Salmaso faz uma ponte criativa entre vários gêneros musicais com sua voz grave e aveludada
Em seu instagram, Monica Salmaso lê Manoel de Barros com sua voz límpida e cadenciada, e celebra o texto de Carlos Drummond e Clarice Lispector na série “Balaio de Textos e Idéias”, que criou para presentear seus fãs e seguidores. “Verdade é que sou mesmo tocada pela emoção, onde quer que ela esteja, seja na poesia ou na prosa. No meu caso, a música é o meio principal”. Essa declaração está em sintonia com um repertório eclético, que inclui uma bela seleção de compositores e ritmos, e transita do chorinho ao samba; passando por Chico Buarque, Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Dori Caymmi, Guinga e José Miguel Wisnik (a trilha para o espetáculo ‘Sem Mim’, do Grupo Corpo, em 2011). “Sempre fui muito tímida. Mas com a pandemia e todas as limitações impostas, comecei a me expor e postar leituras de textos que acho bonitos, sem me censurar. Percebi que o que me emociona pode tocar também o outro. Então decidi compartilhar e encontrar esses pares”, justifica a cantora. A troca virtual que Monica estabeleceu com seu público rendeu frutos. Foi ainda durante a pandemia, quando se mudou com a família para uma casa no interior de São Paulo, que teve a ideia de fazer um vídeo musical caseiro com Alfredo Del-Penho. Ele gravou primeiro a base e, quando ela recebeu, colocou sua voz. Na edição, parecia que tinha havido um encontro de verdade." Aos poucos, apareceu um monte de amigos querendo que Monica cantasse com eles. Acabou fazendo 175 vídeos, um por dia, com nomes como Ney Matogrosso, Joyce, Leila Pinheiro, Edu Lobo, Dori Caymmi... “Virou uma brincadeira gostosa e afetiva, que chamei de projeto ‘Ô de casa’. Ainda recebi bordados de artesãs do Brasil inteiro, inspiradas por esses vídeos, uma iniciativa linda organizada por um coletivo de bordadeiras do sul”, lembra emocionada. Muitas das músicas escolhidas nas gravações eram de autoria de Chico Buarque - com quem já tinha anteriormente feito uma participação na faixa “Imagina”, no CD “Carioca”, de 2006, e depois lançado um disco dedicado a ele, “Noites de gala, samba na rua”, 2007. Cuidadosa, Monica mandava o resultado dessas parcerias para ele acompanhar. “Chico, sempre elegante, respondia elogiando, feliz de escutar alguma canção esquecida. E eu aproveitava para convidá-lo a participar da brincadeira”. Foram vários ‘nãos’ até que Chico topou. Fizeram juntos “João e Maria”. Depois dessa experiência mágica, veio o convite dele: “topa participar da minha turnê ‘Que tal um samba?’, com direito à gravação de um CD ao vivo (2022)?”. “Dei um pulo de um metro e meio de alegria e nem pensei duas vezes. Parecia um sonho estar no palco ao lado do Chico, ainda mais em um momento tão icônico como o fim da pandemia e a volta à vida”, revela ela, que rodou o Brasil com o show, enorme sucesso de público e crítica. Acostumada a se apresentar em teatros e pequenas salas, Monica ganhou o mundo - e muita repercussão - depois desse encontro com Chico Buarque. A casa de shows paulista, Tokio Marine Hall, com capacidade para até 4 mil pessoas, ofereceu uma data e foi o empurrão para ela montar a turnê “Minha Casa”. “Desenhei, através de um repertório de 22 músicas, um apanhado dessa experiência única que estava vivendo: pandemia, o encontro com Chico, amigos… tudo junto. E falei desse planeta, do porto seguro onde a gente mora”, revela, adiantando que após se apresentar em São Paulo e no Rio, no final do ano passado, vai começar em breve a viajar com esse trabalho pelo Brasil e exterior. “A vida tá animada. Bom demais”, festeja, acrescentando que, além da turnê, há ainda dois CDs recentes: “Canto Sedutor”, ao lado de Dori Caymmi; e, com André Mehmari, “Milton”, só com canções de Milton Nascimento. “A música e a arte brasileiras, pelo alcance que têm, são talvez o lugar onde a gente mais se realizou como país. Somos admirados porque trazemos uma mistura única e diversa de sons e texturas. Existe um jeito brasileiro de ser que tem resposta para tudo. A Joyce é dona de uma frase que amo repetir: ‘a música brasileira é o Brasil que me prometeram’. Assino embaixo”, arremata. Por pouco Monica, louca pela poesia das palavras, não virou jornalista, profissão que pensou em seguir quando jovem. Apesar de desde pequena ter se encantado pela música e, brincando, fazer do desodorante um verdadeiro microfone, jamais imaginou que poderia viver disso. “Olhava o Caetano, a Gal, o Gil, o Milton e pensava que não tinha ideia de como essas pessoas chegaram aí. Parecia um caminho impossível”, lembra. Na escola, começou a tocar violão e foi fazer aula de canto. “De repente, entendi que havia um lugar para mim, que iria ser feliz nos palcos. Anunciei essa decisão em casa e virei oficialmente cantora. Esse é o início de tudo. O resto é história”.