Gastronomia _ 28 setembro _ por Mauro Ferreira

Chef Thomas Troisgros perpetua a nobre herança familiar na cozinha

Agraciado com uma estrela no Guia Michelin, o consagrado chef carioca celebra o sucesso dos restaurantes Toto e Oseille enquanto dá identidade à comida de boteco com o bar Tijolada

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“Complicar um prato é muito fácil. Eu quero ver é você pegar três ingredientes e transformá-los em um prato incrível”. Um dos mais consagrados chefs da atualidade, o carioca Thomas Troisgros profere a sentença em entrevista a Flo com conhecimento de causa. Foi exercitando a crença e a filosofia de que menos pode ser muito mais na cozinha que Thomas – neto de Pierre Troisgros (1928 – 2020), importante chef francês que revolucionou a culinária do país natal ao ajudar a dar forma a Nouvelle Cuisine – fez o próprio nome, sem se escorar na nobre herança familiar também perpetuada por tio e primos. Hoje no comando dos concorridos restaurantes cariocas Toto (batizado com o apelido dado a Thomas pelo avô Pierre) e o Oseille (que abre somente para jantar com requintado menu degustação que atrai turistas do mundo inteiro), ambos funcionando no mesmo endereço em rua nobre do bairro de Ipanema, Thomas desfruta do mesmo prestígio e reconhecimento já obtidos há anos pelo pai, Claude Troisgros, chef aclamado no Brasil e no mundo. Thomas já trabalhou muito com o pai, tendo comandado por ano a cozinha do reverenciado restaurante Olympe, mas nos últimos três anos trilhou o próprio caminho empresarial, cultivando com Claude somente uma saudável relação de pai e filho, com direito a troca de ideias sobre os pratos de um e de outro. “Quando você fala em Troisgros, você fala em acidez. Mas cada um de nós procurou buscar a própria identidade na busca pela acidez. Eu tento outras maneiras de incorporar acidez no meu prato sem ser via fruta, crítico, acético ou vinho”, diferencia Thomas, que começou a estagiar na cozinha aos 12 anos. Quem ouve Thomas Troisgros falando em “alquimia” e “mistura de sabores” dos molhos, talvez não imagine que, por volta dos 18 anos, ele não sabia o que fazer da vida profissional. “Tentei marketing, mas durou três meses. Vi que escritório não era para mim”, lembra Thomas, que, embora continue longe da burocrática rotina empresarial, se tornou empreendedor de sucesso. Sócio do grupo T.T. Burger e criador da marca de hamburger Três Gordos, o restaurateur também está envolvido nas operações dos restaurantes Le Blond e Boucherie. Contudo, o coração do chef bate mais forte no dia a dia do Toto e do Oseille, onde conversa com os 16 clientes do menu degustação oferecido pelo restaurante no jantar em sete etapas, pregando a informalidade com requinte ao apresentar o menu, com direito a música. Enquanto são servidos entradas e pratos, rola um playlist intitulada Oseille 80. “Eu quero que as pessoas gostem da minha comida e que seja divertido vir ao meu restaurante”, resume Thomas, radicado no Brasil há 20 anos, após passagens por Estados Unidos, França e Espanha. Aberto em outubro de 2023, o Toto convive harmoniosamente com o Oseille, situado no segundo andar do mesmo casarão em Ipanema. Inaugurado em fevereiro de 2024, o Oseille já foi agraciado com uma estrela no Guia Michelin, neste ano de 2025, com somente um ano de operação. “Essa estrela me trouxe paz porque me mostrou que o meu modelo está funcionando”, avalia Thomas, que pretende abrir no futuro uma casa de culinária asiática. “Sou encantado pela comida asiática”, revela, reforçando que as técnicas da comida oriental não estão na cartilha fundamental da culinária francesa, seguida somente pelos chefs do mundo ocidental. E por falar em técnica, Thomas diz que ela é a mesma tanto na alta gastronomia quanto no universo das comidas de boteco. “O objetivo é o mesmo: servir um prato gostoso de comer, bom, sem firula. Não tem alta ou baixa gastronomia. Tem comida boa ou ruim. Às vezes a gente quer ser criativo demais e os sabores não ficam bons. A gente come primeiro com os olhos. Mas a comida tem que ser boa. Prefiro uma gororoba feia e gostosa do que uma comida bonita sem sabor”, ressalta Thomas. O chef sabe o que diz, pois é sócio da mulher, a economista Diana Litewski, no bar Tijolada, aberto em setembro de 2024, com mesas e cadeiras na área externa, na calçada, em Ipanema. No Tijolada, Thomas serve um disputado frango assado e o que chama de “coisas mais simples”, como carne moída com purê e ovo. Mas tudo feito com o mesmo apuro da beterraba com chocolate que delicia os privilegiados clientes do menu degustação do Oseille. Thomas revela que foi vítima de certo preconceito quando partiu para o bar. Ouvia comentários como “olha lá o estrelado querendo fazer comida de boteco”. Mas foi em frente, com a segurança de quem criou há 13 anos o hambúrguer que ainda permanece como o mais vendido do grupo T.T Burger. “Um bom chef precisa ter cabeça aberta, confiança na equipe e está aberto a testar coisas, evoluindo naquilo que se propõe a fazer”, receita Thomas, enfatizando a crença na filosofia japonesa da repetição. No conceito de Thomas Troisgros, um chef não é um artista, mas, sim, um artesão. Tudo indica que muitas estrelas ainda hão de pintar no caminho do chef artesão Thomas Troisgros, dando continuidade a uma herança familiar culinária celebrada no Brasil e no mundo.