Música _ 19 maio _ por Juarez Fonseca

Vitor Ramil: 60 anos e um álbum raro

Avenida Angélica é seu primeiro álbum ao vivo e com uma única parceira

Capa da publicação em destaque

Vitor Ramil tinha 18 anos quando compôs "Estrela, Estrela", canção que meses depois, em 1980, daria título ao primeiro disco – e até hoje pedida pelo público nos shows. Num dos vídeos publicados nesta edição de FLO Magazine, de certa forma Vitor atribui tal precocidade ao caráter extremamente musical de sua família, que antes dele já tinha revelado Kleiton e Kledir e, depois, o filho Ian mais os sobrinhos Thiago e Gutcha, todos com discos gravados. Pois no último 7 de abril, dia em que completou 60 anos, ele lançou o 12º álbum, "Avenida Angélica". Os 12 trabalhos de Vitor formam uma obra de coerência e qualidade impressionantes ao longo do tempo. Não há um só que se possa chamar de “menor”. Mais impressionante ainda é que, mesmo tendo cada disco personalidade própria, formam um conjunto homogêneo. Por vários motivos, "Avenida Angélica" é o mais “diferente” de todos. Começa, por ser o primeiro álbum de Vitor feito ao vivo e inteiramente com uma única parceira, a poeta Angélica Freitas, pelotense como ele, que participou ativamente da criação. (Em "délibab", de 2010, foram musicados poemas dos já falecidos Jorge Luis Borges e João da Cunha Vargas, com os quais obviamente Vitor não teve nenhum contato.) A parceria com Angélica tem uma história interessante. Em 2008, quando lançou a novela "Satolep" pela editora paulista Cosac Naify, Vitor ganhou de presente do editor Augusto Massi um livro dela perguntando se a conhecia, pois era pelotense, começando a ter um certo prestígio no Brasil. Não, não a conhecia. E já nos primeiros poemas se surpreendeu com sua musicalidade. Quando Angélica voltou da Holanda, onde estava, fez contato com ela e nova surpresa: morava a uma quadra da casa dele em Pelotas! Daí começaram a trabalhar nas composições. Vitor lançou a nova parceira com a gravação da música "Stradivarius" no disco "Campos Neutrais", de 2017. Já com a ideia de fazer um álbum inteiro com os temas da parceria, em 2019 apresentou no Theatro São Pedro, em Porto Alegre, o show "Avenida Angélica". O projeto (aprovado pelo Pró-CulturaRS, com patrocínio da Natura Musical) era apresentar em 2020 o show em Florianópolis, Rio de Janeiro e Belo Horizonte e depois entrar em estúdio para gravar o disco. Aí veio a pandemia e interrompeu tudo. – Os planos mudaram – conta Vitor. – Como o repertório já estava definido, até meio ensaiado, mas não haveria nem shows nem gravação em estúdio, começamos a pensar em alternativas. Conversei com a Branca, minha irmã e produtora desde "Estrela, Estrela", com o pessoal da equipe que estava formada, e surgiu a ideia de gravarmos o show no Theatro Sete de Abril, um símbolo de Pelotas, há alguns anos em obras de restauro. Eu estaria no palco, mas sem público, até porque nem havia condições para ter uma plateia. As gravações foram realizadas nas invernais noites de 7 e 8 de agosto de 2021. Vitor considera que "Avenida Angélica" ganhou “um caráter entre o emergencial, o afetivo e o celebratório”. Verdade. No palco daquele teatro mitológico (primeiro construído no RS, 1834), com a iluminação minimalista e as projeções indefiníveis de Isabel Ramil (filha talentosa, artista multimídia), as canções que habitam um espaço entre o realismo e o surrealismo, o espetáculo filmado transmite ao espectador sensações oníricas. Sem imagens, o CD tem atmosfera diferente. Em 18, digamos, faixas, "Avenida Angélica" passa por diversas temáticas/personagens, todas provocantes, fazendo ver e pensar. Não vou falar de todas, escolho algumas. "Cosmic Coswig Mississippi" é um raro e belo blues criado por Vitor. Já "Mulher de Malandro" é um samba que ele canta acompanhando-se na percussão no antigo banco de ônibus do cenário. "Mulher de Rollers" é sobre uma moça que atrapalha o trânsito. Pop, "Rilke Shake" vem ganhando muitos fãs. A música "R.C". que Vitor compôs numa van, assim que leu o poema, inspira-se no estilo de Roberto Carlos – em outros tempos faria sucessos nas rádios FM. "Família Vende Tudo" pode ser um retrato do Brasil atual. "Poema da Mulher Suja" é sobre uma pessoa que cata sobras numa feira livre. Trecho da letra/poema de "Mulher-Aranha": “só/ uma criança/ olha pra cima/ e diz assim/ mãe, é a mulher aranha!/ não seja tola, meu amor/ a mãe lhe diz/ ela está/ limpando janelas”. A cidade de São Paulo é referida aqui e ali desde o título. Com o talento inato de melodista inspirado, com o violão cada vez mais pessoal e preciso, com a voz que consegue dar conta da diversidade e dos climas das canções sem contaminá-las por altos contrastes, com a atenção ligada ao detalhe e ao todo, Vitor Ramil é um dos maiores artistas da música brasileira. Um dos poucos gaúchos que a cada disco recebe amplos espaços na imprensa do país inteiro. AVENIDA ANGÉLICA Vídeo dirigido por Renato Falcão; áudio de André Colling e Lauro Maia; iluminação, cenários e projeções de Isabel, Ramil.

Siga-nos também no Instagram: @flo.magazine