Música _ 19 outubro _ por Juarez Fonseca

Zé Ibarra e a linha evolutiva da MPB

No posto de uma das grandes revelações da música brasileira, o cantor e multi-instrumentista mostra-se um intérprete de voz marcante e compositor seguro em estilo MPB pop com letras reflexivas.

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Em maio de 1966, em um debate sobre o futuro da música brasileira, Caetano Veloso expôs um pensamento e criou uma expressão que se propagariam décadas à frente. Vale anotar que ele tinha apenas 23 anos e que a revolução da Tropicália só eclodiria mais de um ano depois. Disse: “Só a retomada da linha evolutiva pode nos dar uma organicidade para selecionar e ter um julgamento de criação. Dizer que samba só se faz com frigideira, tamborim e um violão sem sétimas e nonas não resolve o problema. Paulinho da Viola me falou há alguns dias da sua necessidade de incluir contrabaixo e bateria em seus discos. Tenho certeza que, se puder levar essa necessidade ao fato, ele terá contrabaixo e terá samba, assim como João Gilberto tem contrabaixo, violino, trompa, sétimas, nonas e tem samba. Aliás João Gilberto para mim é exatamente o momento em que isto aconteceu: a informação da modernidade musical utilizada na recriação, na renovação, no dar um passo à frente da música popular brasileira.” Em outras palavras, depois de um período de estagnação criativa que ocupou a década de 1950, a Bossa Nova viria reposicionar nossa música em sua “linha evolutiva”, com João, Tom, Menescal, Nara e turma abrindo espaço e influenciando toda uma geração de gigantes popularizada pelos festivais transmitidos pela TV, do próprio Caetano a Gil, Chico, Edu, Paulinho, Milton, Elis, Gal, Mutantes, Jorge Ben e por aí, por sua vez dando base para Raul, Belchior, Alceu, Fagner, Melodia, Arrigo, Itamar, e logo Zeca Baleiro, Chico César, Zé Ramalho, Chico Science, Marisa Monte, enfim... Mas onde quero chegar? Em todo esse tempo, outros tipos de música conviveram naturalmente com a MPB – sigla, aliás, surgida com os festivais. O rock, por exemplo, desde Roberto tem uma linguagem própria, digamos, nacional, cujo top é Rita Lee. Já a tal “linha evolutiva” da MPB começou a perder espaço desde o início dos anos 2000 com o predomínio avassalador do “sertanejo universitário”, gênero pop-romântico-brega que de sertanejo raiz nada tem. E logo, por volta de 2010, com o início do fim das gravadoras que haviam impulsionado a MPB clássica durante cinco décadas, e a emergência da música digital, artistas identificados com a “linha evolutiva” praticamente saíram de cena. Aos poucos, no entanto, como quem parou para ver o que aconteceria, eles vão surgindo e (re)conquistando espaços. Aqui abaixo relaciono alguns nomes que já são referência do que está sendo chamado de Nova MPB, à margem dos processos antigos (gravadoras, rádios) mas com crescente audição e popularidade. Achei necessário este longo preâmbulo para escrever sobre o artista que motivou o texto, sugerido por um amigo: Zé Ibarra. Cantor, compositor e pianista, Zé Ibarra lançou este ano o primeiro álbum solo, "Marques, 256". O título vem do endereço dele no Rio de Janeiro, onde nasceu em 1996, filho de um fotógrafo baiano e uma produtora de eventos chilena, batizado José Vicente Ibarra Ramos. Construído em torno de voz, violão e piano (instrumentos que toca desde menino), o álbum mostra um intérprete de voz marcante e compositor seguro em estilo MPB pop com letras reflexivas. Fecha o disco o clássico "San Vicente", de Milton Nascimento e Fernando Brant. Em 2019, encantado ao ouvi-lo tocar e cantar, Milton o convidou para integrar a banda em sua turnê de despedida dos palcos, "Clube da Esquina", dando destaque a ele. Dois anos depois, participou do último disco de Gal ("Nenhuma Dor", 2021), cantando com ela "Meu Bem, Meu Mal". “Zé Ibarra é muito talentoso mesmo”, sublinhou Ney Matogrosso, com quem também cantou. Isso tudo ele solo, pois sua breve história inclui duas bandas, com as quais também gravou e seguem ativas. Criada em 2012, a Dônica, de jazz, música clássica e MPB progressiva, que entre os integrantes tem Tom Veloso (filho caçula de Caetano), e a Bala Desejo, nascida na pandemia, cujo disco "Sim Sim Sim", de 2022, foi agraciado com o Grammy Latino de Melhor Álbum Pop em português. É um músico do qual vamos ouvir muito falar. “Planejo ir bem longe”, diz Zé Ibarra. - NOMES DA MPB SURGIDOS DE 2010 PRA CÁ Rubel, Ian Ramil, Juliana Côrtes, Arthur Dutra, Josyara, Arthur Montarroyos, Simone Mazzer, Tiago Iorc, Alfredo Del Penho, Xênia França, Baco Exu do Blues, Ana Paula da Silva, Nina Wirtti, Socorro Lira, Anavitoria, Marina Sena, Luedji Luna, Baianasystem, Liniker, Duda Beat, Silva, Jão, Thiago Ramil...